São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007

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O mochileiro do Oriente

Em "De Carona com Buda", o canadense Will Ferguson percorre o Japão de carona e descreve hábitos e paisagens

Andy Rain - jan.2006/Efe
Pessoas caminham por rua do bairro de Ginza, na região central de Tóquio


RONALD POLITO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O canadense Will Ferguson vem se destacando como um dos importantes humoristas de seu país.
Tudo começou há uma década, quando, retornando ao Canadá após cinco anos no Japão, onde trabalhou como professor de língua inglesa, percebeu o quanto sua própria cultura lhe era estranha, publicando "Why I Hate Canadians" (Por Que Odeio Canadenses).
Desde então, especializou-se nas sátiras social e política, no relato de viagem e na memorialística, tendo sido recentemente editor de "The Penguin Anthology of Canadian Humour" [Antologia do Humor Canadense, ed. Penguin].
"Ser Feliz" [Companhia das Letras], seu primeiro romance, publicado no Brasil em 2003, é uma sátira sobre a obsessão pela felicidade. "De Carona com Buda", ora lançado, é o último livro de Ferguson e saiu em 2005 no Reino Unido com o título "Hokkaido Highway Blues".
Desta vez, ele imaginou algo razoavelmente curioso: foi literalmente de ponta a ponta do Japão pegando carona, tornando-se o primeiro a realizar tal façanha. Seu extenso livro é o relato detalhado da viagem, desde sua partida do extremo sul do país, o cabo Sata, até o extremo norte, o cabo Soya.
E mais: acompanhando a "frente de flores de cerejeira".

Cerejeiras em flor
Como é sabido, o ciclo anual das flores de cerejeira no Japão, que vai do sul para o norte, é seguido pelos japoneses por meio de boletins minuciosos que chegam ao requinte de comparar percentuais de flores abertas em cada lugar e a cada ano.
Algo que, para os costumes ocidentais, é tão espantoso quanto a intensa mobilização também anual para o concurso de carpas naquele país.
Quem já foi ao Japão sabe, como esclarece Ferguson, que talvez não tenha ido a outra parte da Terra, mas a outro planeta.
Com seu humor geralmente afiado, às vezes cáustico, falando um pouco o idioma, o autor é capaz de captar com alguma agudeza os impasses e paradoxos de comportamento dos japoneses, principalmente em relação aos visitantes (e, mais especificamente, a um anglo-saxão).
O livro está recheado também de descrições de festas, cidades, ruas, praias, paisagens, estradas, castelos, restaurantes, hotéis etc., o que permite uma visão genérica das inúmeras possibilidades de experiência naquele país pequeno, mas infinito.
Há momentos realmente hilariantes -como a circunstância em que o autor provou pela primeira vez carne de cavalo crua- ou grotescos, como a descrição do bizarro museu do sexo, em Uwajima.
Por outro lado, ler esse livro parece quase tão cansativo quanto a viagem que Ferguson fez. É o próprio modo de organização desse relato de viagem que se torna um problema.
Pois é virtualmente impossível que uma narração, acompanhada de descrições medianas de céus e montanhas, resumos de mitos e de histórias coletados muitas vezes em guias e relatos de viagem, de dia após dia de um percurso, tenha como se sustentar. Mesmo os encontros fortuitos e as interações travadas com as centenas de japoneses com os quais o autor conviveu no caminho são pouco significativos, com raras exceções.

Truques gastos
Talvez só com humor se consiga manter um texto tão longo, mas aí encontramos outro problema: é muito difícil ser engraçado o tempo todo.
Os truques vão ficando gastos tanto quanto cenários descritos penosamente, e, depois de uma carona, vem... outra carona (para usar o recurso da repetição, que o autor emprega muitas vezes e que, claro, deixa de produzir qualquer efeito cômico depois de algum tempo).
Se as cem primeiras páginas do livro realmente são engraçadas, as centenas seguintes se transformam numa narrativa mediana, só retomando um bom nível de humor pontualmente mais para o fim. A leitura é monótona, muitas vezes sem interesse.
Falta síntese, corte do irrelevante. E, surpreendentemente, em um humorista tão autocrítico, pode faltar senso de ridículo, deixando escapar frases como estas que encerram o décimo capítulo da primeira parte: "Saudade. Nostalgia. Tristezas tão pungentes que fazem o peito doer".

RONALD POLITO é poeta e autor de, entre outros, "Cenas Japonesas - Crônicas de um Brasileiro em Tóquio" (Editora Globo).


DE CARONA COM BUDA
Autor:
Will Ferguson
Tradução: Celso Mauro Paciornik
Editora: Companhia das Letras
(tel. 0/xx/11/3707-3500)
Quanto: R$ 54 (544 págs.)



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