São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Leia trecho de "Ode a Walt Whitman", de Federico García Lorca

Nova York de lama,
Nova York de arame e de morte.
Que anjo levas oculto na face?
Que voz perfeita dirá as verdades do trigo?
Quem o sonho terrível de tuas anedotas manchadas?

Nem um só momento, velho formoso Walt Whitman,
deixei de ver tua barba cheia de mariposas,
nem teus ombros de veludo gastos pela lua,
nem tuas coxas de Apolo virginal,
nem tua voz como uma coluna de cinza;
ancião formoso como a névoa
que gemias como um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha,
inimigo do sátiro,
inimigo da vide
e amante dos corpos sob o grosseiro pano.
Nem um só momento, formosura viril
que em montes de carvão, anúncios e ferrovias,
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria em teu peito
uma pequena dor de ignorante leopardo.

Nem um só momento, Adão de sangue, macho,
homem só no mar, velho formoso Walt Whitman,
porque pelas açotéias,
agrupados nos bares,
saindo em cachos dos esgotos,
tremendo entre as pernas dos chauffeurs
ou girando nas plataformas do absinto,
os maricas, Walt Whitman, te sonhavam.

Também esse! Também! E se despenham
em tua barba luminosa e casta,
louros do norte, negros da areia,
multidões de gritos e ademanes,
como gatos e como as serpentes,
os maricas, Walt Whitman, os maricas
turvos de lágrimas, carne para chicote,
bota ou mordedura dos domadores.



Poema que faz parte de "Poeta em Nova York" (em"Obra Poética Completa"). Tradução de WILLIAM AGEL DE MELLO.



Texto Anterior: O Mundo Alucinante
Próximo Texto: Quem foi Lorca
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.