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CASAL EM CRISE
Relação financeira simbiótica entre
EUA e China foi posta em xeque; analistas advogam maior aproximação política
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
A
melhor definição
para a relação econômica simbiótica
e por vezes conflituosa entre China e
Estados Unidos repousa num
neologismo, criado pelo historiador Niall Ferguson e pelo
economista Moritz Schularick:
"Chimerica". É ao mesmo tempo a junção dos nomes dos dois
países e a noção de que tal associação é uma fantasia, uma incoerência: uma quimera.
Esse "país", escreveram os
professores respectivamente
de Harvard e da Universidade
Livre de Berlim na publicação
"International Finance", ocupa
13% da superfície terrestre,
tem um quarto de sua população, responde por um terço do
PIB mundial e bancou metade
do crescimento econômico do
planeta entre 2002 e 2008.
Mantém uma relação cujo
destino interessa ao mundo,
uma relação que o presidente
dos EUA, Barack Obama, disse
que "moldará o século 21" e que
estudiosos batizaram simplesmente de G2 -no sentido de
que nenhum outro agrupamento de países será mais importante que esse.
"Sem o G2, o G20 vai desapontar", escreveu Justin Li,
economista-chefe do Banco
Mundial, referindo-se ao grupo
das vinte economias mais ricas
do mundo, Brasil inclusive, que
se reuniram pela segunda vez
no ano no fim da semana, em
Pittsburgh, na Pensilvânia.
Obama e o presidente chinês, Hu Jintao, já se encontraram duas vezes bilateralmente
desde a posse do democrata,
em janeiro, e a primeira viagem
ao exterior feita pela secretária
de Estado obamista, Hillary
Clinton, foi para a Ásia. A nova
administração se esforça para
retomar as rédeas de uma relação que sofreu arranhões causados pela crise econômica.
"Por um tempo, essa foi uma
relação simbiótica que parecia
ideal", escreveu o britânico
Ferguson, que trata do assunto
em "The Ascent of Money - A
Financial Story of the World"
(A Ascensão do Dinheiro - Uma
História Financeira do Mundo,
Penguin, 2008). "Dito de maneira simples, uma metade cuidava de guardar enquanto a outra só fazia gastar."
Segundo seus cálculos, a
poupança dos americanos em
relação ao PIB foi de pouco
mais de 5% no meio da década
de 90 para virtualmente zero
em 2005; no mesmo período, a
chinesa pulou de 30% para
45% do PIB. O que Pequim fez
com todo esse dinheiro?
Em setembro do ano passado, o Tesouro norte-americano
soltou seu relatório periódico
sobre a situação das reservas
do país. Nos números, a resposta: pela primeira vez na história, a China passou o Japão como o maior credor dos Estados
Unidos. Hoje, de cada dez dólares que o governo americano
deve, um é para Pequim.
A dependência preocupa a
Casa Branca e Wall Street, ainda mais num tempo de crise,
em que o modelo econômico
norte-americano, fortemente
baseado em consumo e endividamento, é repensado e questionado não só pelos locais como pelo Politburo chinês.
Engajamento maior
Na última quinta-feira, o
Center For a New American
Security, "think-tank" centrista baseado em Washington,
lançou um dos mais amplos estudos recentes da relação entre
os dois países e seu futuro.
Com 184 páginas e intitulado
"China's Arrival - A Strategic
Framework for a Global Relationship" (A Chegada da China
- Um Plano Estratégico para
uma Relação Global), trata da
simbiose à luz de segurança
energética, mudança climática,
estratégia naval, proliferação
nuclear e controle de armas,
entre outros tópicos.
A conclusão: para fazer funcionar a relação, os EUA terão
de ser "estratégicos e assertivos
na maneira de engajar a China". Para que isso aconteça, de
acordo com o relatório, o país
não pode ser encarado como
uma ameaça.
Quem teme o outro tende a
isolá-lo, argumenta Richard
Armitage, ex-subsecretário de
Estado (2001-05), e tudo de
que os EUA não precisam é
uma China isolada. Os EUA
têm também de estender sua
influência para organismos
multilaterais regionais em que
a China é tratada como a superpotência, continua o texto.
Por fim, como nos casamentos em crise, os EUA precisam
procurar novos parceiros -no
caso, velhos parceiros desprezados pela ascensão chinesa.
"Japão, Coreia do Sul, Tailândia e Austrália -aliados e amigos dos americanos que compartilham valores e interesses
estratégicos- vão continuar
fundamentais para a presença
dos EUA na Ásia".
Preocupa especialmente os
analistas a entrada do país em
zonas de influência tradicionalmente norte-americanas,
como a América Latina e partes
da África, ou em regiões em que
o sentimento antiamericano é
muito forte, como o Oriente
Médio. Essa penetração se dá
principalmente com investimento e empréstimos, que ganham importância óbvia na situação econômica atual.
"É assim que o equilíbrio de
poder muda silenciosamente
em tempos de crise", escreve
David Rothkopf, especialista
em política externa americana
e estratégia econômica do Carnegie Endowment for International Peace. "Os empréstimos
são um exemplo do poder do
talão de cheques no mundo se
movendo para novos lugares,
com os chineses se tornando
mais ativos."
Nas palavras de Niall Ferguson, "a Chimerica está em crise,
o casamento não vai bem". O
resto do mundo acompanha interessado a novela.
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