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IMPORTADO
As fontes imaginárias de um dicionário
DAVID WALTON
especial para o "NYT Book Review"
Uma das mais estranhas histórias literárias modernas é o encontro em 1896 de James Murray, editor do Oxford English Dictionary
(OED), com o dr. W.C. Minor,
que durante 20 anos foi um de
seus mais prolíficos e confiáveis
colaboradores. Relatada pela primeira vez em 1915 pelo jornalista
americano Hayden Church, já teve diversas versões.
Murray convidou Minor para visitar Oxford várias vezes, sem êxito; então pegou um trem e viajou
90 quilômetros até a aldeia de
Crowthorne, em Berkshire. Lá o
esperava uma charrete, que o levou a uma austera mansão de tijolos. Conduzido a um escritório
forrado de livros no segundo andar, Murray apresentou-se ao homem que, no seu entender, era
Minor. "Na verdade sou o diretor
do Asilo de Insanos Broadmoor
Crimball", foi a resposta desenxabida. "O dr. Minor está aqui, sim,
mas é um dos internos. É nosso
paciente há mais de 20 anos, o residente mais antigo".
Essa ficção "divertida e romântica", como Simon Winchester
apropriadamente a descreve em
sua escrupulosa e elegante narrativa "The Professor and the Madman" (O Professor e o Louco),
vem a ser mais complexa e estranha, como ocorre em geral com a
realidade, e "apenas ligeiramente
menos romântica" do que a trama que a antecedeu.
William Chester Minor, nascido
em 1834 numa antiga e estimada
família de Connecticut, viveu até
1920 e só os últimos de seus 48
anos em asilos do governo. Ele ingressou no Exército federalista como cirurgião quatro dias antes de
Gettysburgh e ficou mentalmente
perturbado na batalha de Wilderness, porque teria sido obrigado a
marcar um "D" no rosto de um
imigrante irlandês que desertara.
Morando em Londres em 1872, ele
sofria alucinações em que militantes da fraternidade irlandesa Fenian entravam em seu quarto à
noite para envenená-lo.
A pensão militar de Minor lhe
permitia viver confortavelmente
em Broadmoor, e ele e sua família
sustentaram a viúva do homem
que matou. Ela passou a visitá-lo
em Broadmoor e trazia de Londres
os livros que ele lhe encomendava.
Em certo ponto no início da década de 1880, provavelmente num
dos pacotes de livros, Minor encontrou um folheto impresso de
Murray pedindo voluntários a
buscar citações para o que era chamado de "o grande dicionário".
O princípio condutor do OED era
ilustrar cada palavra com meia
dúzia de citações sobre as diversas
nuances de seu significado e os
usos mais antigos.
Minor, que tinha tempo de sobra e precisava de alguma tarefa
digna e redentora, criou um sistema próprio de reunir e organizar
as citações, suprindo as necessidades mais urgentes do dicionário
com milhares de contribuições.
Quando Murray soube de suas
verdadeiras circunstâncias, tornou-se seu amigo, visitando-o
com frequência em Broadmoor.
A imaginativa versão de Winchester sobre essas duas vidas
"curiosamente entrelaçadas e
inextricáveis" é emoldurada pela
história do surgimento do OED e a
própria história da feitura de um
dicionário, tarefa mais desordenada do que se poderia crer.
Shakespeare não usou dicionários, lembra-nos Winchester. Os
primeiros dicionários ingleses
apareceram mais ou menos na
época de sua morte e incluíam
apenas palavras "difíceis" ou
"especiais". Os primeiros não
eram organizados em ordem alfabética, mas por assunto. "A língua inglesa era falada e escrita,
mas na época de Shakespeare não
era definida, não era fixa. Era como o ar -um fato consumado, o
meio que envolvia e definia todos
os britânicos. Mas o que era exatamente, quais os seus componentes, ninguém sabia."
É irônico que o OED, hoje venerado como "o último bastião da
cultura inglesa, um derradeiro e
valoroso eco do maior dos impérios modernos", demonstraria
por meio de seu próprio método
até que ponto o inglês é indefinido, em constante mutação. Ao rever os últimos e tristes anos de Minor, Winchester diz que também
existe uma cruel ironia no fato de
que o tratamento atual benevolente e a terapia com drogas poderiam ter eliminado seus sintomas.
"Mas nesse caso", acrescenta,
"talvez ele não sentisse inclinação
ou capacidade para realizar seu
trabalho para o dr. Murray".
A OBRA
The Professor and the
Madman - Simon Winchester.
Harper Collins. 242 págs.US$ 22.
Onde encomendar
Livros em inglês podem ser adquiridos na Livraria Cultura
(av. Paulista, 2.073, tel.
011/285-4033) ou, pela Internet, na Amazon Books
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David Walton é contista, autor de "Wainting in
Line" (Ardis).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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