São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

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MILLÔR


"O meu!" - a última palavra no mundo dos negócios.


1) Arranjo
Você já ouviu o hino nacional tocado em buzina de bicicleta, ô gostosa? Então senta aí atrás na garupa.

2) Diálogo no Senado
ACM: Não seja atrevido, rapaz. Você não sabe quem eu sou.
Jornalista: Quem o senhor é?

3) Comparação
Por que, numa época de globalização e capitalismo desvairado, todo mundo diz que é contra o vício? O narcotráfico (i.e., o vício) está aí pra provar - rende mais de 10 trilhões ao ano. A virtude mal e mal rende esmola.

4) Destino
ACM nunca diz a ninguém aonde vai, quando perder o poder. Possivelmente ao mesmo lugar pra onde manda os outros quando está no poder.

5) Suspeita pós-moderna
Não sei não, mas nesta época de tecnologia desvairada, tudo isso aí não estará sendo administrado por uma máquina de pôquer viciada?

6) Simília
Dizem que FhC é um grande sociólogo. Eu também não.

7) Nohta mais ou menos falsa
O relator da CPI dos bancos, dos juizes, dos técnicos de futebol, dos empreiteiros, dos financistas e de todas as demais atividades espúrias, João Donato (nome inventado), exibindo alguns documentos e escondendo outros, apregoa à mídia (ah, a mídia, que sedutora é a mídia!, sobretudo a com pão e manteiga), que suas (dele) revelações abalarão os pilares da nação. Um exagero, como é próprio de todas as metáforas. Nação não existe, é apenas uma suposição, e, se existe, não tem pilares. Mas nós, cariocas, tidos como brincalhões, senão levianos, desta vez mostramos que somos capazes de transformar metáforas em realidade. Há meses trabalhamos no fundo do oceano (que fica em frente à minha janela) refazendo alguns dos abalados pilares (reais, de concreto) do merdromo, para que a maré não traga os vagalhões (valha a sonoridade) à nossa porta.
Mas nada disso, eu sei, o espanta mais, saturado leitor. O que perturba seu honesto sono, como perturba o meu, não tão honesto, é imputados, indiciados e outros ados de maracutaias, ficarem indignados quando alguém sugere descarrilar suas contas bancárias. Ora, ora.
Ou ora pois. Qualquer um de nós, os leitores e eu, salafrários de carteirinha (mas desafio qualquer leitor a ser mais do que eu ), é que temos a temer. E temos que lutar com unhas e dentes para que não vasculhem nossas contas e pertences. Imagine o Zé-Pedreiro, meu quebra-galho aqui da praça, ver descoberta a indignidade de não ter declarado os dois biscates de bombeiro hidráulico que fez em janeiro? Ficará completamente desonrado no bairro. E acusado até de "falsidade ideológica", já que não é bombeiro coisa nenhuma, e hidráulico só quando urina na praça. Alias, outro crime. De atentado ao pudor.
E o Devagar, meu porrista de estimação, será que ele alguma vez declarou entre seus bens as 10 pratas que lhe dou de vez em quando, e umas 50 de raro em raro? Se descobrirem que não só não declara esses "ingressos", mas que os transforma todos em destilados, podem até submetê-lo ao bafômetro e impedi-lo de empurrar seu burro-sem-rabo no meio do trânsito.
E, eu, confesso aqui pra vocês, também uma vez ou outra tomo um bom destilado direto do Paraguai - sem imposto!. Coisa pouca, mas desonesta. Mas vou "entregando" logo, antes mesmo que a CPI me chame o culpado é o Jaguar (sofre de amnésia alcoólica, só se lembra de nome de bares e marcas de uísque), que passa sempre por aqui, e já vem com um saquinho suspeito sob as axilas, com o dístico "por honor de la pátria e cumplimentos de A. Stroessner y sucessores".
Quanto a dois desenhos que fiz em janeiro em troca de um jantar que dei pra Madame K., companheira do comentarista culinário Apícius, e outro desenho que fiz pra pagar o que usufruí depois, bem, deixa isso pra lá. Essa coisa, entre nós, meliantes do patamar de baixo (também chamado "porão habitável"), é coisa comum. Por isso devemos nos precaver ou precatar, impedindo que passem a lei do " Sabe com quem está falando? Fiscal da receita!", e vasculhem nossas contas. Porque a deles, ó!
Mas, agora que procuradores sherifes e fiscais fominhas querem enquadrar nossos grandes lideres políticos, executivos, legislativos e até, pasmem, judiciários, devemos todos nos reunir se possível no abandonado campo do Rock-in-Rio contra esses probos da improbidade, que não admitem nenhuma probeza. Que pretendem? Atemorizar os que não têm nada a temer? Os do alto? Não chegaram, esses exemplos da nação, por eleição, justaposição, levitação, onde chegaram, justamente porque representam a nata, o requeijão e o iogurte da limpeza urbana? Não têm eles, por acaso, direito a prisão especial, com sala, dois quartos e vista para o mar, mesmo em Goiás? Não têm, colada na sua personalidade, o merecido label de "Notável saber"? O magnífico rótulo de "Ilibada reputação"?
Continente ou conteúdo? O que vale é o rótulo, ô meu! Como apregoavam, alto e bom som (enquanto abatiam os rivais nos becos escuros do Rio), os bicheiros cariocas, num dos mais concisos e eficientes proclamas de sua lisura para com o apostador: "Vale o escrito". Sobretudo no Caixa 2.



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