São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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RISCO NO DISCO

Bisturis

LEDUSHA SPINARDI

Chego do hospital num táxi sonâmbulo, a tarde farfalhando enquanto se apaga: tu n'oublieras jamais mes yeux dants ta nuit, cerises noires, cerises noires...
Com os dedos trêmulos tateio o bordado de tulipas e folhas retorcidas na vira do lençol. Posso sentir o inchaço dos tecidos ressentidos, o tom púrpura da carne costurada amortecida sob as gazes.
Abro os olhos: o porte arrogante rente à porta tenta maquiar a enxurrada de raiva, amor e intangível tristeza. Setas tesas, seguras pelo medo às profundezas. Arrisco: "O que houve enquanto morri oficiosamente?".
Alheio e fúnebre: "Esperei você acordar. A chave está na mesa, com o suéter".
Sentimentos, solilóquios, relógios caducos.
Pouso as mãos no vão entre os seios. Vale de lágrimas.


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