São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Conta que não fecha

Equação para calcular chance de existir vida inteligente continua sem solução, dentro ou "fora" do Universo

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1961, o astrônomo Frank Drake elaborou uma equação com o intuito de calcular a probabilidade de existir alguma outra civilização avançada no Universo. Enquanto vários astrônomos comemoram a longevidade dessa empreitada, um estudo que atualiza a equação de Drake com dados científicos mais novos mostra que a vida inteligente deve ser muito, muito mais rara do que se pensava.
O trabalho, que promete receber vaias de alguns fãs da série "Jornada nas Estrelas", ironicamente, vem de um físico teórico extremamente popular como autor de livros para o público leigo: o brasileiro Marcelo Gleiser, do Dartmouth College (EUA). No novo estudo, disponível no site arxiv.org, ele incorpora à equação de Drake discussões sobre a possibilidade de existir um "multiverso" -uma realidade com múltiplos universos- e dados mais recentes sobre a evolução da vida.
O resultado vai contra soluções como a que o próprio Drake encontrou para a equação. Ele acreditava que, por uma questão de probabilidade, a Via Láctea, nossa galáxia, teria pelo menos dez outros planetas abrigando civilizações avançadas. Na estimativa do astrônomo Carl Sagan, elas seriam mais de 1 milhão. Nenhum dos dados, porém, tem confiabilidade, afirma Gleiser.
"Há vários fatores na equação que a gente não tem a menor ideia de como estimar", diz. Segundo o físico, o efeito de acrescentar dados de ciência mais recente na equação de Drake, curiosamente, é criar mais incerteza sobre o quão útil ela é capaz de ser.
Se alguém considera a possibilidade de existirem múltiplos universos, o natural seria imaginar que a vida ganharia mais chances para brotar, já que a realidade não estaria restrita apenas ao nosso Cosmo. Mas, para criar átomos, estrelas, planetas e vida, um outro universo precisaria gerar partículas elementares similares às do nosso, e ter suas leis da física parecidas com as do nosso Cosmo.
Porém, continua Gleiser, "se você tenta fazer uma medida de probabilidade para saber quantos desses outros universos teriam elétrons com carga igual à do nosso, mesmo com precisão de 10%, não consegue".
O estudo não é o primeiro a incorporar a ideia de multiversos nas contas sobre a probabilidade do aparecimento de vida. Em 1995, o físico Alexander Vilenkin, da Universidade Tufts, já tinha proposto a ideia de que o surgimento de civilizações inteligentes seria até algo "medíocre" dentro de um panorama de muitos universos.

Ordem na casa
"Um pouco depois de publicar o estudo, recebi uma mensagem do Vilenkin, e ele disse: "Finalmente você entrou para o nosso time, o time do multiverso'", conta Gleiser. "Mas, não, eu não entrei. O que estou tentando é justamente botar um pouco de ordem na casa."
Sua critica, basicamente, é contra o chamado princípio antrópico, uma ideia lançada por outros físicos. Grosso modo, é uma teoria propondo que qualquer análise feita com base na observação do Universo precisa levar em consideração que o "observador" foi produzido por este mesmo Universo. Críticos mais duros dizem que o princípio antrópico não passa de uma tautologia criada a serviço de uma agenda teológica, segundo a qual Deus produziu o homem.
Segundo Gleiser, é prematuro discutir a vida inteligente fora deste Universo enquanto a equação de Drake não pode incluir em seus termos nem mesmo a probabilidade de um micróbio evoluir para um ser humano na Terra. "Estão usando o princípio antrópico como ferramenta científica, mas ela é um argumento filosófico", diz.
Para o físico, como só faz sentido discutir o princípio antrópico em um panorama de multiversos, ela é uma hipótese que jamais poderá ser testada e validada: por definição, nós humanos só temos acesso à realidade do nosso Universo.
Um dos pioneiros a lidar com a ideia de multiverso, porém, disse não estar se sentindo "atacado" por Gleiser. Li o estudo e gostei", disse à Folha Leonard Susskind, da Universidade Stanford. "É mais um ensaio do que um estudo técnico. Acho que é um bom lembrete de quão pouco nós entendemos sobre a origem e a evolução da vida, especialmente a vida inteligente." (RG)


Texto Anterior: Ora, direis, ouvir ETs!
Próximo Texto: "Faremos contato"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.