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+(L)ivros
Corpos do além
Em "Arte e Beleza na Estética Medieval", Umberto Eco analisa a relação entre o
concreto e o transcendental
Os corpos mutilados
e torturados
dos mártires
resplandeciam
de beleza
interior
HILÁRIO FRANCO JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA
Para muitos, o nome
de Umberto Eco
(1932) está associado
ao romance policial
ambientado na Idade
Média "O Nome da Rosa" [ed.
Record]. O que pode ter passado desapercebido a vários de
seus leitores é a importância
que ali ocupa o tema da beleza.
O narrador é um belo monge
que se recorda de "belíssimas
igrejas"; que de sua abadia admira um nimbo de "tremenda
beleza"; que na sua imaginação
funde a bela Virgem [Maria]
contemplada em estátuas e a
bela herege descrita por alguém; que percebe que "a visão
do belo comporta a paz" e que
"é belo o mundo".
Feio e belo
Diante das inúmeras referências ao belo e ao feio no seu
romance, não surpreende que o
estudioso italiano tenha recentemente dirigido uma "História
da Beleza" e uma "História da
Feiura" [ambos publicados pela Record].
O interesse de Eco pelo tema
desde o início da carreira o levou, em 1987, a produzir uma
síntese, traduzida no Brasil em
1989 e agora reeditada -"Arte e
Beleza na Estética Medieval".
Como o título sugere, não se
trata de obra sobre fatos artísticos, e sim sobre as ideias estéticas produzidas entre os séculos
6º e 15.
Tais ideias demonstram que
a sensibilidade estética da época não era apenas metafísica,
como lhe atribuíram os renascentistas, mas também voltada
a experiências concretas. Se os
moralistas medievais criticavam as belezas materiais, não
era por indiferença a elas -era
justamente por serem sensíveis a elas e recearem, assim, se
afastar das coisas divinas.
Legibilidade e rigor
A fruição estética medieval
encontrava seu objeto menos
na natureza e na arte (esta entendida como imitação inventiva daquela) do que nas relações
entre ambas e o mundo superior. Os corpos mutilados e torturados dos mártires não deleitavam a visão, mas resplandeciam de beleza interior.
O belo daqui reflete, de forma
esmaecida, o belo do além.
Assunto tão vasto e rico exigiria do leitor certos conhecimentos técnicos sobre a filosofia medieval, não fosse a opção
do autor por um texto introdutório. O resultado é, de fato,
perfeitamente legível pelo público culto não medievalista,
sem deixar de ser útil a ele.
Tal opção cobra, contudo, um
preço ao rigor em certas passagens. Para lembrar um único
caso, ao explicar a cosmovisão
simbólica, Eco aceita a expressão de Mumford sobre a "situação neurótica" da Idade Média
e justifica o historiador norte-americano dizendo que a época
tinha "visão deformada e confusa da realidade".
Não é preciso insistir que falar assim pressupõe adotar como referencial uma realidade
supostamente correta e ordenada, cuja existência estudiosos de diferentes áreas teriam
dificuldade em aceitar.
Edição descuidada
Mas o livro é valioso, daí ser
pena que esta reedição não tenha merecido mais cuidados.
Não foram corrigidas da edição anterior algumas impropriedades de tradução, caso de
"idade das trevas" transformada numa expressão sem sentido ("evos escuros").
Tampouco foram consertadas certas grafias como Bakhtin (não Bachin), Scholem (não
Schlolem), mosteiro de São Galo (ou Sankt Gallen no original
alemão, nunca San Gallo, forma
italiana).
Perdeu-se, ainda, a oportunidade de introduzir outras melhorias. Abandonar a mania
editorial (não apenas no Brasil)
de esconder as notas no fim do
texto, como que a pressupor
que somente alguns leitores farão uso delas, eliminaria o desconfortável trabalho de ir e vir
entre o texto e as páginas finais.
Atualizar algumas indicações
bibliográficas teria prestado
serviço aos leitores brasileiros.
Eco exalta, com razão, o clássico "Estudos de Estética Medieval", de Edgar de Bruyne, e
lamenta que esse livro não seja
mais encontrável.
Ora, isso era verdade no momento em que Eco escrevia, porém em 1998 o livro foi reeditado na França, informação útil
aos interessados.
Também se poderia ter indicado que há tradução em português de vários títulos citados
na bibliografia: Auerbach,
Bakhtin, Cohn, Curtius, Duby,
Eco, Focillon, Foucault, Gilson,
Hauser, Huizinga, Le Goff,
Rougemont, Scholem, Todorov, Yates, Zumthor.
ARTE E BELEZA NA ESTÉTICA
MEDIEVAL
Autor: Umberto Eco
Tradutor: Mario Sabino
Editora: Ed. Record (tel. 0/xx/21/
2585-2000)
Quanto: R$ 47,90 (352 págs.)
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