São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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A idade das luzes

Autor de "Os Três Dedos de Adão", Hilário Franco Júnior diz que a Idade Média "pode explicar muito" sobre o Brasil

EUCLIDES SANTOS MENDES
DA REDAÇÃO

Comumente associada ao obscurantismo, a Idade Média (476-1453) é uma época cuja compreensão histórica pode iluminar as origens da civilização ocidental.
É o que defende, em entrevista à Folha, o historiador e professor da USP Hilário Franco Júnior. Segundo ele, foi no período medieval que se delinearam as línguas europeias modernas (como o português) e parte relevante das instituições políticas, econômicas e culturais do Ocidente.
Franco Júnior, que está lançando "Os Três Dedos de Adão - Ensaios de Mitologia Medieval", diz na entrevista abaixo que a sociedade brasileira também é herdeira do espólio cultural da Idade Média.

 

FOLHA - Como a Idade Média pode ajudar a entender o século 21?
HILÁRIO FRANCO JÚNIOR -
Todo presente histórico é resultado de uma complexa relação com seu próprio passado. Essa é a razão por que a Idade Média nada esclarece sobre a África negra ou a China, mas pode explicar muito sobre a civilização ocidental.
Foi naquela época que esboçou suas línguas, o essencial de suas instituições políticas e econômicas, de seus valores filosóficos e artísticos, de seu espírito inquiridor e técnico, de suas ferramentas intelectuais. E, igualmente, o comportamento autocentrado, intolerante, imperialista.

FOLHA - Como esse período histórico nos ajuda a compreender uma sociedade como a brasileira, que ainda não se constituíra naquela época?
FRANCO JÚNIOR -
Justamente porque todo presente carrega consigo seu passado, ainda que em intensidade variável a cada caso. Os portugueses que chegaram à América e aqui se instalaram trouxeram uma herança medieval ainda muito viva.
O isolamento da colônia, mais institucional que geográfico, fez com que aquela herança aqui se enraizasse e se tornasse seu presente, ao menos em parte, nos séculos 16 a 18.
Mesmo as transformações posteriores não eliminaram totalmente aquela herança.
Ela precisa ser levada em conta quando analisamos nossa política penetrada de espírito feudal e patrimonial, nossa sociedade carregada de corporativismos, nossa cidadania que distingue mal a coisa pública da coisa privada.

FOLHA - Como alguns mitos da Idade Média sobreviveram ao tempo?
FRANCO JÚNIOR -
Mitos, ritos, crenças, costumes não sobrevivem ou morrem ou vivem. Quero dizer com isso que, se algumas daquelas manifestações culturais continuam presentes numa época bem posterior a de seu surgimento, é porque ainda fazem sentido para muita gente. Ainda têm uma função social e psicológica.
A ideia de restos culturais foi adotada pela igreja para desqualificar certas práticas que ela julgava ultrapassadas ("superstições", etimologicamente "sobrevivências"), sem poder perceber, por exemplo, que o culto aos santos prolonga o culto aos heróis pagãos.
Visto de fora, cultuar um santo é ato supersticioso; visto de dentro, é coerente com o presente que se supõe preparar o futuro da salvação.

FOLHA - Por que a Idade Média é equivocadamente chamada de "idade das trevas"?
FRANCO JÚNIOR -
Porque o orgulho pelo próprio presente levou os homens dos séculos 15 e 16 [no início da Idade Moderna] a se considerarem herdeiros diretos e continuadores dos gregos e romanos da época clássica, desqualificando então o período intermediário (Idade Média), que, segundo eles, viveu sem o brilho (idade das trevas) das realizações antigas e modernas.

FOLHA - É em torno da ascensão do cristianismo que se estrutura a sociedade medieval. Seria, portanto, possível pensar em uma estética medieval não atravessada pelo ideário religioso?
FRANCO JÚNIOR -
Na medida em que todo grupo e todo indivíduo fazem parte de uma sociedade, mesmo aqueles que se opõem a ela revelam pelo avesso o essencial dela. Várias comunidades heréticas medievais, por exemplo, negavam os valores morais, sociais e estéticos defendidos pela Igreja Católica, mas sua rejeição às imagens era de fundamento religioso.


OS TRÊS DEDOS DE ADÃO
Autor:
Hilário Franco Júnior
Editora: Edusp (tel. 0/ xx/ 11/ 3091-4008)
Quanto: R$ 65 (420 págs.)



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