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A idade das luzes
Autor de "Os Três Dedos de Adão", Hilário Franco Júnior diz
que a Idade Média "pode explicar muito" sobre o Brasil
EUCLIDES SANTOS MENDES
DA REDAÇÃO
Comumente associada
ao obscurantismo, a
Idade Média (476-1453) é uma época
cuja compreensão
histórica pode iluminar as origens da civilização ocidental.
É o que defende, em entrevista à Folha, o historiador e
professor da USP Hilário Franco Júnior. Segundo ele, foi no
período medieval que se delinearam as línguas europeias
modernas (como o português)
e parte relevante das instituições políticas, econômicas e
culturais do Ocidente.
Franco Júnior, que está lançando "Os Três Dedos de Adão
- Ensaios de Mitologia Medieval", diz na entrevista abaixo
que a sociedade brasileira também é herdeira do espólio cultural da Idade Média.
FOLHA - Como a Idade Média pode
ajudar a entender o século 21?
HILÁRIO FRANCO JÚNIOR - Todo
presente histórico é resultado
de uma complexa relação com
seu próprio passado. Essa é a
razão por que a Idade Média
nada esclarece sobre a África
negra ou a China, mas pode explicar muito sobre a civilização
ocidental.
Foi naquela época que esboçou suas línguas, o essencial de
suas instituições políticas e
econômicas, de seus valores filosóficos e artísticos, de seu espírito inquiridor e técnico, de
suas ferramentas intelectuais.
E, igualmente, o comportamento autocentrado, intolerante, imperialista.
FOLHA - Como esse período histórico nos ajuda a compreender uma sociedade como a brasileira, que ainda
não se constituíra naquela época?
FRANCO JÚNIOR - Justamente
porque todo presente carrega
consigo seu passado, ainda que
em intensidade variável a cada
caso. Os portugueses que chegaram à América e aqui se instalaram trouxeram uma herança medieval ainda muito viva.
O isolamento da colônia,
mais institucional que geográfico, fez com que aquela herança aqui se enraizasse e se tornasse seu presente, ao menos
em parte, nos séculos 16 a 18.
Mesmo as transformações
posteriores não eliminaram totalmente aquela herança.
Ela precisa ser levada em
conta quando analisamos nossa política penetrada de espírito feudal e patrimonial, nossa
sociedade carregada de corporativismos, nossa cidadania
que distingue mal a coisa pública da coisa privada.
FOLHA - Como alguns mitos da Idade Média sobreviveram ao tempo?
FRANCO JÚNIOR - Mitos, ritos,
crenças, costumes não sobrevivem ou morrem ou vivem. Quero dizer com isso que, se algumas daquelas manifestações
culturais continuam presentes
numa época bem posterior a de
seu surgimento, é porque ainda
fazem sentido para muita gente. Ainda têm uma função social e psicológica.
A ideia de restos culturais foi
adotada pela igreja para desqualificar certas práticas que
ela julgava ultrapassadas ("superstições", etimologicamente
"sobrevivências"), sem poder
perceber, por exemplo, que o
culto aos santos prolonga o culto aos heróis pagãos.
Visto de fora, cultuar um santo é ato supersticioso; visto de
dentro, é coerente com o presente que se supõe preparar o
futuro da salvação.
FOLHA - Por que a Idade Média é
equivocadamente chamada de
"idade das trevas"?
FRANCO JÚNIOR - Porque o orgulho pelo próprio presente levou
os homens dos séculos 15 e 16
[no início da Idade Moderna] a
se considerarem herdeiros diretos e continuadores dos gregos e romanos da época clássica, desqualificando então o período intermediário (Idade
Média), que, segundo eles, viveu sem o brilho (idade das trevas) das realizações antigas e
modernas.
FOLHA - É em torno da ascensão do
cristianismo que se estrutura a sociedade medieval. Seria, portanto,
possível pensar em uma estética
medieval não atravessada pelo
ideário religioso?
FRANCO JÚNIOR - Na medida em
que todo grupo e todo indivíduo fazem parte de uma sociedade, mesmo aqueles que se
opõem a ela revelam pelo avesso o essencial dela.
Várias comunidades heréticas medievais, por exemplo,
negavam os valores morais, sociais e estéticos defendidos pela Igreja Católica, mas sua rejeição às imagens era de fundamento religioso.
OS TRÊS DEDOS DE ADÃO
Autor: Hilário Franco Júnior
Editora: Edusp (tel. 0/ xx/ 11/
3091-4008)
Quanto: R$ 65 (420 págs.)
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