|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Novos olhos
NICOLAU SEVCENKO
Agora podemos ver Machado de
Assis como nunca vimos antes.
Ver a sua obra como um todo articulado e poder perceber com clareza, então, temas dominantes, recursos de composição e processos
criativos que antes era difícil de
ver concentrados em apenas alguns textos, os mais conhecidos,
os mais estudados, os mais comentados e aqueles nos quais se
concentravam, sobretudo, a nossa
formação na escola e na universidade.
Obviamente, nesse nosso limite
de tempo não dá para compor esse
painel. Eu vou tentar caracterizar
só por meio de um exemplo o modo como essa abertura de perspectiva dos estudos mais recentes sobre o Machado acabou permitindo
que se veja com novos olhos algo
que, de forma concentrada, nunca
seria visto. Por exemplo, o modo
como o Machado trabalha com
três fórmulas clássicas, que são: os
apólogos, as fábulas e as parábolas. Elas se espalham por igual. Se
ficamos apenas nos romances,
não fica tão claro como esse é o
instrumento com o qual ele compõe a sua ficção, por assim dizer,
os tijolos com que ele faz a arquitetura das suas obras. Mas, se consideramos tudo ao mesmo tempo
-os romances, os contos, as crônicas e os textos poéticos e traduções poéticas-, vai ficando imensamente claro como a sua ficção, a
sua produção literária, se organiza
em função desses pequenos fragmentos, desses pequenos textos
que são os apólogos, as fábulas e as
parábolas.
Essa forma é bastante antiga na
tradição literária ocidental. Ela, de
fato, vem da cultura greco-romana, por uma caracterização bastante superficial. A distinção entre
elas é mais ou menos essa: o apólogo se concentra em seres inanimados que conversam entre si. As fábulas, em animais que dialogam
entre si, e as parábolas, em pessoas, seres humanos. Se pegarmos
qualquer texto de Machado, veremos que ele se organiza por um
processo narrativo todo ele apoiado em parábolas, que são o ponto-chave, o ponto que dá a notação crítica, a notação irônica e que
produz o efeito que aponta para a
dimensão conclusiva. (...)
De qualquer forma, então, o que
vemos é como esses três recursos
-o apólogo, a fábula e a parábola- são uma característica básica
dos textos de Machado, e podemos então entender como é que
eles operam. Eles são, antes de
mais nada, fragmentos completos,
no sentido de que têm princípio,
meio e fim. São uma micronarrativa dentro da narrativa, sempre de
natureza anedótica, sempre baseado num elemento contingente,
num fato básico e simples. Têm
uma estrutura dramática bem definida, na medida em que criam
uma situação de tensão narrativa e
desenvolvem um enredo que
aponta para um desfecho, e esse
desfecho tem um fundo moralizante, um fundo ético, o que dá ao
apólogo, à fábula ou à parábola o
seu cunho alegórico, simbólico.
Essa é a maneira como ele faz cintilar o seu texto e faz com que ele
repercuta no campo amplo da cultura.
Texto Anterior: John Gledson: Geografia mental Próximo Texto: Roberto Schwarz: A pulga no cachorro Índice
|