São Paulo, domingo, 28 de maio de 2006 |
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Fora. do eixo O brasilianista inglês Kenneth Maxwell rebate a tese das duas esquerdas defendida pelo mexicano Jorge Castañeda e afirma que a Bolívia vive hoje um "terremoto" político e social
SYLVIA COLOMBO DA REPORTAGEM LOCAL A Bolívia é um terremoto, o peronismo, uma criatura que não morre nem com uma estaca no peito, e a América Latina como um todo hoje lhe surge como um mosaico de respostas específicas a estruturas políticas decadentes. Não se pode negar que o historiador Kenneth Maxwell seja bom de imagens. A seus olhos, nosso continente pode estar à beira de um momento de virada e renovação tanto da ação quanto do discurso político. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que o brasilianista, autor de "A Devassa da Devassa" (ed. Paz e Terra), concedeu à Folha, por e-mail. FOLHA - Existe uma impressão generalizada na mídia internacional
de que a América Latina vem se voltando para a esquerda. O que acha?
KENNETH MAXWELL - É verdade.
Mas é também um modo preguiçoso de pensar. Pessoalmente, creio que "esquerda"
não é uma categoria que possa
ser muito útil ou adequada. A
idéia de que há uma esquerda
"certa" e uma esquerda "errada", descritas por Jorge Castañeda em artigo na revista "Foreign Affairs" [leia na página ao
lado] é uma visão puramente
instrumental.
FOLHA - Como o sr. diferencia essas
esquerdas?
MAXWELL - Existem muito poucos socialistas utópicos à moda
antiga na América Latina hoje,
mesmo em Cuba. Castañeda
estava certo sobre isso em seu
"A Utopia Desarmada" (1994,
editado no Brasil pela Cia. das
Letras). A visão marxista foi enterrada no final da Guerra Fria.
FOLHA - Como o sr. vê o continente
politicamente, então?
MAXWELL - Trata-se de um mosaico de respostas específicas a
estruturas políticas decadentes, cada vez mais altos níveis
de desigualdade e exclusão social, tendências crescentes de
migração interna e externa, tudo misturado a uma impressionante capacidade de comunicação através de regiões geográficas e de classes e etnias. O colunista do "New York Times"
Thomas Friedman chama isso
de horizontalização do planeta.
FOLHA - O sr. acha que as novas
versões de populismo surgidas no
continente são uma resposta a isso?
MAXWELL - Em alguns aspectos,
sim. Álvaro Uribe [presidente
da Colômbia] não é de esquerda, mas tem muito de um líder
populista na prática, ainda que
não em sua performance pública. E os colombianos também
sabem como manipular os EUA
a seu favor.
FOLHA - E Lula?
MAXWELL - E Lula? Bem, o esquerdismo de Lula estava fora
do mercado todo o tempo. Lula
nunca foi um ideólogo. Seu
"modus operandi" me parece
similar, na prática, ao dos chefes que emergiram dos sindicatos nos EUA. Onde havia -e há,
ainda- muito desse papo de
"irmão" isso, "irmão" aquilo.
FOLHA - E Néstor Kirchner (presidente da Argentina)?
MAXWELL - Bem, Kirchner é um
peronista. O que mais pode ser
dito? Os peronistas são de esquerda? Depende da estação e
do que é necessário em cada
momento particular para se
manter no poder.
FOLHA - E Evo Morales (presidente
boliviano)?
MAXWELL - Pensar no que Evo
Morales representa apenas como um fenômeno de esquerda
é equivocado. O que está acontecendo na Bolívia é um verdadeiro terremoto. Isso realmente é algo novo e imprevisível.
Não há absolutamente nenhum exagero em dizer que,
pela primeira vez em 500 anos,
a maioria está governando
aquela região dos Andes.
FOLHA - Que solução vê para os
problemas latino-americanos hoje?
MAXWELL - Não há uma resposta fácil para essa pergunta. Eu
certamente não tenho uma. O
que é necessário é pensar muito e com criatividade. |
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