São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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+ debate

Alguns probleminhas

Produtor de "Ninguém Sabe o Duro Que Dei", sobre Wilson Simonal, critica reportagem publicada no Mais! de domingo passado

CLAUDIO MANOEL
ESPECIAL PARA A FOLHA

N o último domingo, Simonal foi, mais uma vez, julgado e condenado. Desta vez, pela Folha, numa matéria sensacionalista, enorme (com destaque na primeira página e tudo), assinada por Mário Magalhães.
Foram diversas páginas, todas provocadas pela "descoberta de um fato novo", um documento inédito que provaria de maneira cabal e definitiva que Simonal foi um informante do Dops. Então tá! Mas só que existem alguns probleminhas. Em primeiro lugar, o documento inédito não é inédito.
Ao tentar se defender da acusação de que teria sido mandante do sequestro do seu ex-contador, Simonal (orientado por seus advogados, segundo depoimento da própria vítima, no documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", meu, de Micael Langer e Calvito Leal) afirmou que havia prestado queixa anterior de supostas ameaças terroristas e, por isso, tinha pedido que o Dops investigasse.
O que o tal documento usado como base na reportagem diz é, mais ou menos, isto: Simonal tenta tirar o corpo fora do imbróglio policial que protagonizou dizendo que era alvo constante dos subversivos, porque simpatizava com o regime de 1964, e acreditava que o Dops poderia ajudá-lo, já que o órgão também atuava no meio artístico, à procura de opositores etc. e tal...
Por isso, ele emprestou seu carro (um Opala) para ajudar nessa "operação".
Quando fui procurado pelo autor da já citada reportagem, seu tom era grave. Ele havia descoberto documentos, tinha tido acesso a mais de 600 páginas, lido vários depoimentos que acusavam Simonal; e, o mais importante, num documento (o tal) anterior ao caso do sequestro de Raphael Viviani (o contador), o "rei da pilantragem" assume que tinha vínculos com o Dops.
Respondi que conhecia direitinho as tais 600 páginas, já que possuo cópias do processo inteiro há mais de cinco anos, e que não lembrava de nenhuma menção com data anterior ao sequestro. O repórter, simplesmente, me afirmou que o documento foi lavrado às 15 horas do mesmo dia em que Viviani seria sequestrado (às 23h). A princípio não entendi.
Disse para ele que, exatamente pela coincidência do dia, isso provaria o oposto. Que o tal depoimento comprometedor tinha a maior cara de ser meio "construído", de ser alguma espécie de álibi, de história de cobertura. Simonal, pra dar coerência a sua linha de defesa, apresentou uma queixa dada anteriormente (que também poderia ser "fabricada a posteriori").
Ou seja, o tal documento não é anterior ao caso do sequestro, é parte tão fundamental dele que o próprio Simonal o divulga, na grande imprensa, em 1971 (no documentário, há duas dessas reportagens: "Terror ameaça Simonal" e "Simonal se diz de direita e com bons serviços prestados à Revolução").
Também perguntei, já que ele estava tão interessado nos aspectos jurídicos do caso, se não tinha lido o arrazoado do juiz ao proferir a sentença que condenou Simonal.
Em sua argumentação final, o ilustre meritíssimo alega que não tem como julgar os agentes do Dops, já que estávamos vivendo um estado de exceção e, por isso, não era da competência dele avaliar atos que poderiam ser de "segurança nacional", mas Wilson Simonal, que era civil, não tinha esse tipo de cobertura; portanto, pena de cinco anos e quatro meses pra ele.
Essa questão não seria um pouco mais intrigante para um jornalista? Se Simonal pertencesse, de fato, a algum mecanismo de repressão em plena "era Médici", por que ele não teve nenhuma proteção?
Seu caso foi o único processo que envolveu agentes do Dops, tortura, prisão ilegal que saiu em toda a mídia da época. No período de censura mais dura, Simonal apanhou sem ser socorrido. Para um cara que era "amigo dos hômi" ele não foi uma presa fácil demais ?
Lendo os depoimentos do processo, testemunhos de defesa e acusação no julgamento, fica-se muito mais com a impressão de uma grande confusão, de uma vendeta boçal que degringolou, do que se joga luz em ligações políticas bizarras.
Também é fajuta a argumentação, citando promotores e juízes (e depois desmentindo "en passant" centenas de linhas depois), que, na época, a Justiça aceitou as provas de que Simonal era informante ou colaborador. Ele nunca poderia ter sido condenado por ser informante simplesmente porque isso não é crime.
E, mais, se em 1971 fosse provado que era um colaborador, jamais seria julgado por isso -seria condecorado. Não é curioso que um "crime" (delação), que além de não ser um crime tipificado e de ser, praticamente, impossível de provar, não prescreva nunca?
Por que, depois de décadas, de esquecimentos, perdões e mudanças de conjuntura, a pergunta que só querem fazer é se "ele era ou não era"? Não fica meio subentendido que, "se ele fosse", então era merecedor de todo o castigo e muito mais? Delatar é mesmo a coisa mais imperdoável que um ser humano pode fazer?
Não existem perguntas ainda mais interessantes ou originais? Naquela época, a luta era, realmente, entre democratas e autoritários? Os que queriam pluralidade, diversidade de opiniões, liberdade de expressão não eram, na verdade, minoria?
No espectro político-ideológico da época, quem, ao alcançar o poder, não queria prender e eliminar opositores? Quantos, em nome da luta contra a ditadura, tinham seus próprios projetos totalitários e defendiam com ardor (e também com pôsteres e camisetas) genocidas de vários calibres?
Também não entendi a citação sobre a facilidade que o repórter teve para contactar o ex-contador do Simonal. Se era tão fácil, por que só fez o contato cinco anos após termos conseguido seu depoimento inédito e esclarecedor para o nosso documentário?
E, voltando ao velho Simona e à questão de ele ser um famigerado colaborador da ditadura: era, realmente, justo esperar que um negro, pobre, favelado tivesse a mesma percepção dos "anos de chumbo" que alguém com formação universitária, classe média alta etc. e tal?


CLAUDIO MANOEL é produtor e diretor do documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei". A íntegra deste texto foi publicada em http://blog.simonal.com/


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