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+ debate
Alguns probleminhas
Produtor de "Ninguém Sabe o Duro Que Dei", sobre Wilson Simonal, critica reportagem publicada no Mais! de domingo passado
CLAUDIO MANOEL
ESPECIAL PARA A FOLHA
N
o último domingo, Simonal foi,
mais uma vez,
julgado e condenado. Desta vez,
pela Folha, numa matéria
sensacionalista, enorme (com
destaque na primeira página e
tudo), assinada por Mário
Magalhães.
Foram diversas páginas, todas provocadas pela "descoberta de um fato novo", um
documento inédito que provaria de maneira cabal e definitiva que Simonal foi um informante do Dops.
Então tá! Mas só que existem alguns probleminhas.
Em primeiro lugar, o documento inédito não é inédito.
Ao tentar se defender da
acusação de que teria sido
mandante do sequestro do
seu ex-contador, Simonal
(orientado por seus advogados, segundo depoimento da
própria vítima, no documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", meu, de
Micael Langer e Calvito Leal)
afirmou que havia prestado
queixa anterior de supostas
ameaças terroristas e, por isso, tinha pedido que o Dops
investigasse.
O que o tal documento usado como base na reportagem
diz é, mais ou menos, isto: Simonal tenta tirar o corpo fora
do imbróglio policial que protagonizou dizendo que era alvo constante dos subversivos,
porque simpatizava com o regime de 1964, e acreditava que
o Dops poderia ajudá-lo, já
que o órgão também atuava
no meio artístico, à procura de
opositores etc. e tal...
Por isso, ele emprestou seu
carro (um Opala) para ajudar
nessa "operação".
Quando fui procurado pelo
autor da já citada reportagem,
seu tom era grave.
Ele havia descoberto documentos, tinha tido acesso a
mais de 600 páginas, lido vários depoimentos que acusavam Simonal; e, o mais importante, num documento (o tal)
anterior ao caso do sequestro
de Raphael Viviani (o contador), o "rei da pilantragem"
assume que tinha vínculos
com o Dops.
Respondi que conhecia direitinho as tais 600 páginas, já
que possuo cópias do processo inteiro há mais de cinco
anos, e que não lembrava de
nenhuma menção com data
anterior ao sequestro. O repórter, simplesmente, me
afirmou que o documento foi
lavrado às 15 horas do mesmo
dia em que Viviani seria sequestrado (às 23h).
A princípio não entendi.
Disse para ele que, exatamente pela coincidência do dia, isso provaria o oposto. Que o tal
depoimento comprometedor
tinha a maior cara de ser meio
"construído", de ser alguma
espécie de álibi, de história de
cobertura. Simonal, pra dar
coerência a sua linha de defesa, apresentou uma queixa dada anteriormente (que também poderia ser "fabricada a
posteriori").
Ou seja, o tal documento
não é anterior ao caso do sequestro, é parte tão fundamental dele que o próprio Simonal o divulga, na grande
imprensa, em 1971 (no documentário, há duas dessas reportagens: "Terror ameaça Simonal" e "Simonal se diz de
direita e com bons serviços
prestados à Revolução").
Também perguntei, já que
ele estava tão interessado nos
aspectos jurídicos do caso, se
não tinha lido o arrazoado do
juiz ao proferir a sentença que
condenou Simonal.
Em sua argumentação final,
o ilustre meritíssimo alega
que não tem como julgar os
agentes do Dops, já que estávamos vivendo um estado de
exceção e, por isso, não era da
competência dele avaliar atos
que poderiam ser de "segurança nacional", mas Wilson
Simonal, que era civil, não tinha esse tipo de cobertura;
portanto, pena de cinco anos e
quatro meses pra ele.
Essa questão não seria um
pouco mais intrigante para
um jornalista?
Se Simonal pertencesse, de
fato, a algum mecanismo de
repressão em plena "era Médici", por que ele não teve nenhuma proteção?
Seu caso foi o único processo que envolveu agentes do
Dops, tortura, prisão ilegal
que saiu em toda a mídia da
época. No período de censura
mais dura, Simonal apanhou
sem ser socorrido. Para um
cara que era "amigo dos hômi" ele não foi uma presa fácil
demais ?
Lendo os depoimentos do
processo, testemunhos de defesa e acusação no julgamento, fica-se muito mais com a
impressão de uma grande
confusão, de uma vendeta boçal que degringolou, do que se
joga luz em ligações políticas
bizarras.
Também é fajuta a argumentação, citando promotores e juízes (e depois desmentindo "en passant" centenas
de linhas depois), que, na época, a Justiça aceitou as provas
de que Simonal era informante ou colaborador.
Ele nunca poderia ter sido
condenado por ser informante simplesmente porque isso
não é crime.
E, mais, se em 1971 fosse
provado que era um colaborador, jamais seria julgado por
isso -seria condecorado.
Não é curioso que um "crime" (delação), que além de
não ser um crime tipificado e
de ser, praticamente, impossível de provar, não prescreva
nunca?
Por que, depois de décadas,
de esquecimentos, perdões e
mudanças de conjuntura, a
pergunta que só querem fazer
é se "ele era ou não era"?
Não fica meio subentendido
que, "se ele fosse", então era
merecedor de todo o castigo e
muito mais? Delatar é mesmo
a coisa mais imperdoável que
um ser humano pode fazer?
Não existem perguntas ainda mais interessantes ou originais? Naquela época, a luta
era, realmente, entre democratas e autoritários?
Os que queriam pluralidade, diversidade de opiniões, liberdade de expressão não
eram, na verdade, minoria?
No espectro político-ideológico da época, quem, ao alcançar o poder, não queria
prender e eliminar opositores? Quantos, em nome da luta contra a ditadura, tinham
seus próprios projetos totalitários e defendiam com ardor
(e também com pôsteres e camisetas) genocidas de vários
calibres?
Também não entendi a citação sobre a facilidade que o
repórter teve para contactar o
ex-contador do Simonal.
Se era tão fácil, por que só
fez o contato cinco anos após
termos conseguido seu depoimento inédito e esclarecedor
para o nosso documentário?
E, voltando ao velho Simona e à questão de ele ser um
famigerado colaborador da ditadura: era, realmente, justo
esperar que um negro, pobre,
favelado tivesse a mesma percepção dos "anos de chumbo"
que alguém com formação
universitária, classe média alta etc. e tal?
CLAUDIO MANOEL é produtor e diretor do documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro
Que Dei". A íntegra deste texto foi publicada
em http://blog.simonal.com/
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