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Inconveniência dos fatos
Reportagem se manteve sóbria e precisa na descrição dos atos do cantor
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
É
desonesto o jornalista que apresenta como novidade informações que ele mesmo veiculou antes.
E é mentiroso quem, com
base em falsidades, acusa de
reciclagem quem buscou informações novas. A reportagem no Mais! no domingo
passado descreveu, entre seus
destaques, três fatos:
a) Wilson Simonal declarou
em depoimento ao Dops da
Guanabara, em 24/8/71, ter
comparecido ao órgão "visto
aqui cooperar com informações que levaram esta seção a
desbaratar por diversas vezes
movimentos subterrâneos...
subversivos no meio artístico";
b) nas alegações finais e na
apelação do processo 3.540/
72 da 23ª Vara Criminal, Antonio Evaristo de Moraes Filho, advogado de Simonal,
avalizou a declaração do cantor;
c) relatório confidencial do
Dops, de 30/8/71, classificou o
artista como "elemento ligado
não só ao Dops, como a outros
órgãos de informação".
Há muito mais na reportagem, na qual inexiste uma só
crítica ao documentário de
Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.
Ontem e hoje
Ainda assim, sobreveio a
agressão. Na TV Cultura, Langer atacou na terça-feira:
"Acho que é questão de ética
profissional, de um jornalista
[este repórter], que se diz jornalista pelo menos, de usar
um documento que ele mesmo já usou e falar que é um documento novo".
A única reportagem que eu
escrevera sobre o assunto,
"Juiz apontou cantor como informante", saiu na Folha em
26/7/00.
Convido Langer a citar trecho em que conste algum documento enumerado acima.
Se conseguir, evidencia reciclagem. Caso contrário, desmascara quem de fato mente e
fere a "ética profissional".
Em 2000, só tive acesso a 11
folhas do processo, que contém 655 -a íntegra foi obtida
semanas atrás. Eram as 11 páginas da sentença, que ignora
as declarações de 24/8/71, as
manifestações do defensor e o
relatório do Dops.
Formar juízo
Em referência ao depoimento de Simonal sobre delações, Langer afirmou: "Ele é
usado no filme". Faltou esclarecer em que sequência, já que
o documento não é exibido
nem mencionado na obra.
Sobre o mesmo documento,
Manoel assinala quando ele
"aparece" no filme: "O próprio
Simonal o divulga, na grande
imprensa, em 1971. (Inclusive,
no nosso documentário exibimos duas dessas reportagens:
"Terror ameaça Simonal" e "Simonal se diz de direita e com
bons serviços prestados à Revolução')".
A verdade: essas reportagens (a primeira de "O Dia" de
28/8/71 e, a segunda, do "Jornal do Brasil" de 29/8/71) antecipam ou noticiam o teor de
outro depoimento de Simonal, prestado na 13ª DP do Rio
em 28/8/71 e datilografado em
111 linhas, quando ele se definiu como "homem de direita",
mas nada falou nem foi indagado sobre ser informante da
ditadura militar.
Como a Folha anotou há
uma semana, esse depoimento "vazou à imprensa".
As reportagens evocadas
por Manoel -cópias à disposição- nada informam acerca
da declaração anterior de Simonal ao Dops, em 24/8/71,
reconhecendo-se informante,
e que embasa a reportagem de
domingo deste jornal.
Manoel especula que a declaração do cantor se dizendo
informante, feita antes da prisão do escriturário Raphael
Viviani, poderia ser "fabricada
a posteriori".
A teoria conspiratória exigiria um advogado fraudador
processual ou inepto a ponto
de ser enrolado por Simonal e
pelos torturadores de Viviani.
Quem conheceu o "doutor
Evaristinho", gigante do direito e homem digno, não o imagina nesses papéis.
Porém, a hipótese de "história (de) cobertura", formulada
por Manoel, constou da reportagem. O jornal contemplou versões distintas e inconciliáveis, editando um painel
plural.
Ao gênero jornalístico da
reportagem não cabe patrocinar opiniões ou causas, mas
difundir fatos e ideias que
contribuam para que o leitor
forme juízo. Os fatos são inconvenientes para quem prefere ocultá-los e agora tenta
desqualificar uma reportagem
sóbria e precisa desqualificando o jornalista.
O cartaz do filme sobre Simonal pergunta: "Culpado ou
inocente?". Na busca da resposta, há quem sonegue informações históricas. A autenticidade dos documentos publicados pela Folha foi confirmada por todas as partes na
Justiça, inclusive Simonal.
Eles são registros da trajetória
do grande cantor, e o jornalismo não deve apagá-los.
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