São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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Inconveniência dos fatos

Reportagem se manteve sóbria e precisa na descrição dos atos do cantor

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

É desonesto o jornalista que apresenta como novidade informações que ele mesmo veiculou antes.
E é mentiroso quem, com base em falsidades, acusa de reciclagem quem buscou informações novas. A reportagem no Mais! no domingo passado descreveu, entre seus destaques, três fatos:
a) Wilson Simonal declarou em depoimento ao Dops da Guanabara, em 24/8/71, ter comparecido ao órgão "visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico";
b) nas alegações finais e na apelação do processo 3.540/ 72 da 23ª Vara Criminal, Antonio Evaristo de Moraes Filho, advogado de Simonal, avalizou a declaração do cantor;
c) relatório confidencial do Dops, de 30/8/71, classificou o artista como "elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação".
Há muito mais na reportagem, na qual inexiste uma só crítica ao documentário de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.

Ontem e hoje
Ainda assim, sobreveio a agressão. Na TV Cultura, Langer atacou na terça-feira: "Acho que é questão de ética profissional, de um jornalista [este repórter], que se diz jornalista pelo menos, de usar um documento que ele mesmo já usou e falar que é um documento novo".
A única reportagem que eu escrevera sobre o assunto, "Juiz apontou cantor como informante", saiu na Folha em 26/7/00.
Convido Langer a citar trecho em que conste algum documento enumerado acima. Se conseguir, evidencia reciclagem. Caso contrário, desmascara quem de fato mente e fere a "ética profissional".
Em 2000, só tive acesso a 11 folhas do processo, que contém 655 -a íntegra foi obtida semanas atrás. Eram as 11 páginas da sentença, que ignora as declarações de 24/8/71, as manifestações do defensor e o relatório do Dops.

Formar juízo
Em referência ao depoimento de Simonal sobre delações, Langer afirmou: "Ele é usado no filme". Faltou esclarecer em que sequência, já que o documento não é exibido nem mencionado na obra.
Sobre o mesmo documento, Manoel assinala quando ele "aparece" no filme: "O próprio Simonal o divulga, na grande imprensa, em 1971. (Inclusive, no nosso documentário exibimos duas dessas reportagens: "Terror ameaça Simonal" e "Simonal se diz de direita e com bons serviços prestados à Revolução')".
A verdade: essas reportagens (a primeira de "O Dia" de 28/8/71 e, a segunda, do "Jornal do Brasil" de 29/8/71) antecipam ou noticiam o teor de outro depoimento de Simonal, prestado na 13ª DP do Rio em 28/8/71 e datilografado em 111 linhas, quando ele se definiu como "homem de direita", mas nada falou nem foi indagado sobre ser informante da ditadura militar.
Como a Folha anotou há uma semana, esse depoimento "vazou à imprensa".
As reportagens evocadas por Manoel -cópias à disposição- nada informam acerca da declaração anterior de Simonal ao Dops, em 24/8/71, reconhecendo-se informante, e que embasa a reportagem de domingo deste jornal.
Manoel especula que a declaração do cantor se dizendo informante, feita antes da prisão do escriturário Raphael Viviani, poderia ser "fabricada a posteriori".
A teoria conspiratória exigiria um advogado fraudador processual ou inepto a ponto de ser enrolado por Simonal e pelos torturadores de Viviani. Quem conheceu o "doutor Evaristinho", gigante do direito e homem digno, não o imagina nesses papéis.
Porém, a hipótese de "história (de) cobertura", formulada por Manoel, constou da reportagem. O jornal contemplou versões distintas e inconciliáveis, editando um painel plural.
Ao gênero jornalístico da reportagem não cabe patrocinar opiniões ou causas, mas difundir fatos e ideias que contribuam para que o leitor forme juízo. Os fatos são inconvenientes para quem prefere ocultá-los e agora tenta desqualificar uma reportagem sóbria e precisa desqualificando o jornalista.
O cartaz do filme sobre Simonal pergunta: "Culpado ou inocente?". Na busca da resposta, há quem sonegue informações históricas. A autenticidade dos documentos publicados pela Folha foi confirmada por todas as partes na Justiça, inclusive Simonal. Eles são registros da trajetória do grande cantor, e o jornalismo não deve apagá-los.


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