São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2004

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sociologia

POR RICARDO MUSSE

A elite invisível

Em "Brasil em Tempo de Cinema" (1967), Jean-Claude Bernardet acusa o então jovem cinema novo de apresentar, de forma pouco convincente, os personagens situados na classe burguesa. Quatro décadas depois, não é difícil observar a persistência de representações desfocadas da burguesia, algumas beirando o inverossímil, na telenovela, no jornalismo e no imaginário social. Essa dificuldade talvez não derive apenas da prevalência de uma perspectiva de "classe média", como supôs Bernardet, mas de um déficit real: sabe-se muito pouco sobre o pico superior da pirâmide social brasileira.
Não se trata só de um problema de difusão do trabalho de especialistas para as demais esferas da vida social. O déficit surge da própria descrição da estrutura social brasileira desenvolvida pelas ciências sociais, sobretudo quando se amplia e se fragmenta o retrato geral no estudo de segmentos específicos. Em contraste com as demais camadas, exaustivamente estudadas, carecemos de trabalhos mais conclusivos sobre a elite econômica.
As dificuldades começam pela quantificação. Os estudos sobre estratificação e mobilidade social, assim como as tentativas de mensurar a desigualdade econômica, partem dos dados das PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilio, do IBGE). No entanto, quando se confrontam esses dados com os do PIB, comprova-se uma elevada discrepância. A "subdeclaração" de rendas elevadas altera o mapa da desigualdade na distribuição de renda, sem contar o fato de que induz à freqüente indistinção entre rendas oriundas do trabalho e da propriedade de ativos de capital.
Os estudos sobre o empresário brasileiro tiveram seu pico na década de 1970, subsistindo com menor ímpeto nos anos seguintes. A matriz conceitual dessa investigação, porém, derivada das discussões teóricas sobre "a revolução burguesa no Brasil", debruça-se principalmente sobre seu papel como ator no jogo político.
O predomínio desse enfoque desestimulou estudos empíricos sobre essa camada que permitissem mensurar fatores como padrões de consumo, estilos de vida, formação cultural, base territorial, parcela das rendas aferidas na produção direta e em ganhos financeiros etc. Sem esses indicadores, os estudos sobre a desigualdade social no Brasil permanecem mancos, pois lhes falta um dos termos da comparação. As pesquisas conduzidas por Elisa Reis na UFRJ, acerca das opiniões da elite sobre a desigualdade brasileira, indicam que a elite econômica -parte ativa nas decisões sobre distribuição de renda- mostra maior resistência que a elite política a medidas práticas de redistribuição, insistindo em atribuir apenas ao sistema educacional a geração das desigualdades.


Ricardo Musse é professor do departamento de sociologia da USP.


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