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sociologia
POR RICARDO MUSSE
A elite invisível
Em "Brasil em Tempo de Cinema" (1967), Jean-Claude Bernardet
acusa o então jovem cinema novo
de apresentar, de forma pouco convincente, os personagens situados
na classe burguesa. Quatro décadas
depois, não é difícil observar a persistência de representações desfocadas da burguesia, algumas beirando o inverossímil, na telenovela,
no jornalismo e no imaginário social. Essa dificuldade talvez não derive apenas da prevalência de uma
perspectiva de "classe média", como supôs Bernardet, mas de um
déficit real: sabe-se muito pouco sobre o pico superior da pirâmide social brasileira.
Não se trata só de um problema
de difusão do trabalho de especialistas para as demais esferas da vida
social. O déficit surge da própria
descrição da estrutura social brasileira desenvolvida pelas ciências sociais, sobretudo quando se amplia e
se fragmenta o retrato geral no estudo de segmentos específicos. Em
contraste com as demais camadas,
exaustivamente estudadas, carecemos de trabalhos mais conclusivos
sobre a elite econômica.
As dificuldades começam pela
quantificação. Os estudos sobre estratificação e mobilidade social, assim como as tentativas de mensurar
a desigualdade econômica, partem
dos dados das PNADs (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domícilio, do IBGE). No entanto, quando
se confrontam esses dados com os
do PIB, comprova-se uma elevada
discrepância. A "subdeclaração" de
rendas elevadas altera o mapa da
desigualdade na distribuição de
renda, sem contar o fato de que induz à freqüente indistinção entre
rendas oriundas do trabalho e da
propriedade de ativos de capital.
Os estudos sobre o empresário
brasileiro tiveram seu pico na década de 1970, subsistindo com menor
ímpeto nos anos seguintes. A matriz conceitual dessa investigação,
porém, derivada das discussões
teóricas sobre "a revolução burguesa no Brasil", debruça-se principalmente sobre seu papel como ator
no jogo político.
O predomínio desse enfoque desestimulou estudos empíricos sobre
essa camada que permitissem mensurar fatores como padrões de consumo, estilos de vida, formação cultural, base territorial, parcela das
rendas aferidas na produção direta
e em ganhos financeiros etc. Sem
esses indicadores, os estudos sobre
a desigualdade social no Brasil permanecem mancos, pois lhes falta
um dos termos da comparação. As
pesquisas conduzidas por Elisa Reis
na UFRJ, acerca das opiniões da elite sobre a desigualdade brasileira,
indicam que a elite econômica
-parte ativa nas decisões sobre
distribuição de renda- mostra
maior resistência que a elite política
a medidas práticas de redistribuição, insistindo em atribuir apenas
ao sistema educacional a geração
das desigualdades.
Ricardo Musse é professor do departamento de sociologia da USP.
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