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crítica
POR JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
Retorno à literatura
Nas aulas que ministro de literatura comparada, sempre ocorre um
ritual incômodo. No início de cada
semestre, busco identificar o repertório de leitura dos alunos, a fim de
estabelecer o diálogo intertextual
que justifica a disciplina. Contudo o
resultado da iniciativa é melancólico. Machado de Assis? Talvez tenham lido "Memórias Póstumas de
Brás Cubas", "Dom Casmurro" e
uma magra seleção de contos. Guimarães Rosa? Sim, "ouviram" falar
-afinal, o curso é breve; porém é
interminável a travessia do sertão
rosiano. Poetas? Quase todos fazem
versos, mas poucos buscam a chave
do poema.
Na pós-graduação, o saldo é semelhante. O necessário viés da especialização transformou-se em vício. Formam-se doutores em crítica
e teoria literária que não conseguem sustentar uma hora de conversa descontraída sobre autores de
sua estima. Ou seja, aqueles cujas
obras provocam um impacto considerável, mas sobre os quais não se
escrevem dissertações, ensaios, resenhas: produtos que engordem o
"curriculum vitae".
Precisamente por isso, em primeiro lugar, alunos de letras precisam se familiarizar com a própria literatura. Sem dúvida, a reflexão
teórica sobre o fenômeno literário é
indispensável, mas se torna ociosa
se não estiver associada à leitura dos
textos. Em geral, a prática analítica e
o ensino reduziram a literatura ao
papel de confirmação de teorias.
O futuro dos estudos literários encontra-se no retorno à literatura.
Necessitamos recuperar sua dimensão antropológica. Na companhia de "Madame Bovary" também
somos Emma Bovary. Riobaldo revela nossas dúvidas sobre o que se
pode saber e o que jamais se descobrirá -ou apenas quando for muito tarde. Com o narrador de "A Hora da Estrela", compartilhamos a
angústia de inventar pontes que
permitam compreender o "outro".
Tal processo não supõe uma identificação banal, mas destaca a força
da literatura como laboratório de
experiências sobre os sentidos do
humano e a riqueza da linguagem.
Precisamos recuperar a experiência radical de descentramento à volta da biblioteca. Ou ao redor do
quarto, nas memórias póstumas do
texto que terminamos. Rimbaud
traduziu a força desse gesto: "Eu é
um outro" -definição precisa da
experiência renovada a cada leitura.
"Antropologia literária", na formulação cortante de Wolfgang Iser.
Precisamos, então, nas palavras de
Hans Ulrich Gumbrecht, "recuperar os poderes da filologia". Isto é,
reaprender a ensinar o ofício da leitura de textos literários. Ofício ingrato: não importa o tempo de prática, nunca se sabe se a próxima
análise será fecunda. Porém, como
esclareceu Paul Valéry, "o prazer da
leitura reside em sua dificuldade".
João Cezar de Castro Rocha é professor
de literatura comparada na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro e autor de "Literatura e Cordialidade" (Eduerj).
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