|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Verde Aguado
ANTHONY GIDDENS FALA DE "A POLÍTICA DE MUDANÇA CLIMÁTICA", RECÉM-LANÇADO NO REINO UNIDO, E DIZ QUE A REUNIÃO DO G20,
NA PRÓXIMA QUINTA, IRÁ RESULTAR EM UM ACORDO "DE FACHADA"
Alexandra Winkler-5.jan.03/Reuters
|
|
Homem caminha em várzea alagada devido à chuva em Kallmünz, na Alemanha; aquecimento global é tema do novo livro do sociólogo inglês, que é ex-reitor da London School of Economics
Vejo o Brasil
como o
negociador
entre Europa,
EUA e China
|
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
Um dos sociólogos
mais influentes da
atualidade, Anthony Giddens, 71,
afirma que a crise
financeira global vai redefinir
radicalmente a sociedade em
que vivemos, mas "muito ainda
depende de um fenômeno em
cujas mãos ainda estamos -o
mercado".
Para ilustrar sua opinião, reforça: "Toda vez que uma decisão é tomada, as pessoas querem saber como os mercados
vão reagir". A reunião do G20
na próxima quinta, em Londres, produzirá um acordo
-ainda que "de fachada"-,
porque os mercados e as pessoas precisam ser "tranquilizados", diz ele.
Giddens avalia que "estamos
no estágio inicial de descobrir o
que seria um novo modelo de
capitalismo responsável e global" e prevê uma convergência
no debate sobre a grande recessão e os desafios da mudança
climática.
"Em ambos os casos, estamos falando de um papel forte
para o Estado e de mais regulação, de um planejamento de
mais longo prazo que não tivemos no passado, de controlar
mecanismos de mercado mais
efetivamente do que nos últimos 30 anos pelo menos, de
mais inovações tecnológicas."
Principal ideólogo da Terceira Via, a busca de um caminho
alternativo entre o liberalismo
radical e as tendências estatizantes tradicionais da social-democracia, Giddens agora
volta sua atenção para o tema
do aquecimento global, em livro lançado na semana passada: "The Politics of Climate
Change" (A Política de Mudança Climática, Polity Press, 256
págs., 12,99, R$ 43).
Ex-reitor da London School
of Economics, lorde Giddens
defende que os países ricos têm
de arcar com 95% dos custos da
luta contra o aquecimento global pelos próximos anos, pois
"não é moralmente correto
nem seria factível na prática
impedir os países em desenvolvimento de se desenvolverem".
Por outro lado, o sociólogo
cobra o fim da "atitude passiva" dos países em desenvolvimento em relação ao tema e
enxerga o Brasil exercendo um
papel de liderança, como mediador entre EUA, China e
União Europeia.
Giddens deu a entrevista à
Folha no pub da Câmara dos
Lordes, depois de uma pequena
volta explicativa pelo local (a
palavra "lobby" vem do sistema
britânico, em que os parlamentares favoráveis e contrários
são separados em antessalas
distintas antes de votar, os lobbies). No final, foi para casa de
metrô. A seguir, os principais
trechos da entrevista.
FOLHA - Em seu livro, o sr. lança o
"paradoxo de Giddens": uma vez
que os perigos do aquecimento global não são visíveis no dia a dia, apesar de parecerem terríveis, as pessoas não irão agir; contudo, esperar
até que se tornem visíveis e sérios
para então tomar uma atitude será
tarde demais. Como lidar com isso?
ANTHONY GIDDENS - Eu aplico o
paradoxo de Giddens especialmente aos países desenvolvidos, porque são eles que têm
que tomar a liderança. Por
exemplo, para alguém que caminha pelas ruas de Londres,
as enchentes de Bangladesh
não são algo que afete o dia a dia
das pessoas.
Para lidar com isso, é preciso
romper com as estratégias do
passado.
As coisas que têm saído pré-Copenhague [em dezembro haverá uma conferência na capital dinamarquesa para definir o
mundo pós-protocolo de Kyoto], com os cientistas dizendo
que "é muito pior do que pensávamos", passam longe da realidade das pessoas nas ruas.
Muitas questões que parecem apocalípticas, que saem
nos jornais e na mídia, são
iguais a filmes que as pessoas
não conseguem distinguir da
realidade. É bem difícil esperar
que as pessoas comecem a agir
com base nisso.
Por isso proponho uma reorganização fundamental do pensamento, para focar muito
mais nos investimentos, para
ver os lados positivos do aquecimento global.
Podemos criar uma genuína
economia verde, quebrar a dependência do Oriente Médio,
garantir segurança energética e
levar a uma vida melhor por
meio dessas transformações.
Dizer para os empresários que
eles podem se tornar mais
competitivos.
Não sou contra regulação ou
metas para reduzir a emissão
de carbono. Na verdade, sou a
favor dessas coisas, mas não
acho que elas possam mobilizar
as pessoas.
Olhe para o tipo de abordagem que o presidente [dos
EUA, Barack] Obama produziu,
é muito diferente de todos, é
muito mais afirmativa. Não sabemos se vai ter sucesso, claro,
porque estamos falando aqui
em mudar o "estilo de vida
americano".
No entanto ele fala disso como um projeto inspirador, que
tem muito mais ressonância.
FOLHA - O sr. fala que o movimento verde sequestrou o debate sobre
mudança climática e que é preciso
sair dessa armadilha. Como assim?
GIDDENS - O movimento verde
começou da metade para o final
do século 19, fortemente influenciado pela ideia romântica
de uma crítica do industrialismo, a nostalgia de uma terra
que não havia sido modificada
pelas indústrias.
Sua força motriz era a conservação, a proteção da natureza e do ambiente.
Realmente deveríamos ter
deixado a natureza em paz, só
que agora é tarde demais, e
maior intervenção na natureza
será absolutamente necessária.
A mudança climática é muito
diferente das preocupações
tradicionais dos verdes e, para
lidar com ela, temos de nos livrar de alguns dos preconceitos
que os verdes -não todos, mas
alguns- têm, de não interferir
muito na natureza, de um princípio da precaução.
O caminho para lidar com a
mudança climática deve ser de
ousadia, inovação, o máximo
uso da tecnologia.
Não quero descartar completamente o movimento verde,
pois tem um importante papel
de trazer esses assuntos para a
agenda, e isso tem valor. No entanto, se você olhar para o manifesto dos verdes globais, muito pouca coisa tem a ver com
mudança climática.
E um dos problemas é que alguns grupos se veem como operando fora da política, extremamente críticos das atividades
das grandes corporações. Mas o
vital agora para a mudança climática é trazer para o centro do
debate algo que 60%, 70% da
população possa compreender.
FOLHA - Num artigo recente, o sr.
mencionou que a crise financeira
global, seus desdobramentos e o desafio de como lidar com a mudança
climática levaram ao fim do fim da
história. Por quê?
GIDDENS - [Francis] Fukuyama
inventou a versão moderna da
frase do fim da história, e o que
ele quis dizer foi que chegamos a uma fase da história em que
não podemos ver nada diferente do mundo em que vivemos:
de um lado, a democracia parlamentarista e, de outro, o sistema capitalista, com competição
e mercados abertos.
Acho que não se pode mais
tomar essa posição como aceitável, pois uma sociedade de
baixo carbono provavelmente
mudará bastante o comportamento das pessoas, o modo como veem o mundo.
Pode envolver uma crítica
forte de viver num tipo de sociedade baseada no consumo,
sem outros valores.
O que quis dizer foi que temos de nos preparar para pensar novamente de modo muito
radical lá na frente. É claro que,
agora, temos de lidar com o
mundo como o vemos.
Mas sou a favor de um retorno parcial a certo utopismo. O
mundo que criamos é insustentável, sabemos que não podemos continuar como estamos.
FOLHA - O sr. fala que as nações em
desenvolvimento deveriam ser autorizadas a emitir mais carbono no
curto prazo, mas isso não funciona.
Os EUA e a União Europeia, com medo de perderem competitividade, já
disseram que isso é inaceitável. Como resolver essa equação?
GIDDENS - Não podemos impedir os países em desenvolvimento de se desenvolverem.
Não seria moralmente correto
nem seria factível, na prática.
Parte desse desenvolvimento
tende a depender pesadamente
de combustíveis fósseis e, logo,
de emissões de carbono.
É por isso que os países já industrializados têm de arcar
com 95% do fardo pelos próximos 10, 15, 20 anos até, para reduzir as emissões.
Por outro lado, é preciso que
o mundo em desenvolvimento
assuma um papel importante,
não mais a posição passiva, de
que isso "não tem nada a ver
com a gente".
Mas, no caminho, precisamos de avanços tecnológicos e
de grandes áreas daquilo que
chamo de "convergência econômica e convergência política", para que os países em desenvolvimento sigam um caminho diferente do que o que estão seguindo agora.
Em primeiro lugar, estamos
atrás de avanços tecnológicos
que sejam capazes de levar os
países em desenvolvimento a
pular algumas etapas de desenvolvimento. Em segundo lugar,
estamos procurando vários
acordos bilaterais, não apenas a
conferência de Copenhague,
especialmente entre EUA e
China, que produzem quase
50% das emissões.
Idealmente, é necessário algum acordo entre os dois, como
os EUA permitirem acesso a
inovações tecnológicas, com a
suspensão de patentes, em troca de algum tipo de concessão
da China para os EUA.
Mas isso é determinado politicamente. Se não há como repetir o modelo de desenvolvimento, temos de encontrar
avanços. Até agora, não conseguimos. A China ainda está fazendo usinas de carvão.
Os políticos se sentem muito
confortáveis, prometendo cortar as emissões em 80% até
2050, mas não ficam nem um
pouco felizes quando você diz
que precisam começar agora.
Existe muita retórica vazia
nesse debate e temos de ver como superar isso para que os
acordos sejam atingidos.
Temos de olhar para o que
pode ser feito, de modo a produzir uma combinação de competitividade e mudança tecnológica. Estou convencido de
que países que seguirem o caminho tradicional de desenvolvimento industrial não serão
competitivos no médio prazo.
FOLHA - Como o sr. vê o papel do
Brasil nesse debate sobre o clima? O
que o país deveria fazer?
GIDDENS - Vejo o Brasil como
um negociador ou uma terceira
parte nas negociações entre os
EUA, a União Europeia e a China. Vejo o Brasil capaz de ter
uma liderança entre os países
de industrialização recente para levar os outros países a uma
posição decente.
O país pode ter um papel bastante importante, e seria desejável se de fato o exercesse. Mas
isso também depende de uma
liderança política forte.
FOLHA - Estamos vivendo a pior crise econômica desde a Grande Depressão. Quais serão seus efeitos?
GIDDENS - Depende de em que
nível você está falando. Nos
próximos dois anos e no momento, ninguém sabe realmente o que acontecerá, independentemente de suas credenciais acadêmicas.
Se haverá declínio contínuo
com desemprego crescente ou
se, nesse período, haverá algum
tipo de recuperação, pelo menos em algumas áreas. Ambos
são possíveis.
Muito depende de um fenômeno do qual ainda estamos
nas mãos: o mercado. Toda vez
que uma decisão é tomada, as
pessoas querem saber como os
mercados irão reagir. Ainda estamos nas mãos do mercado
global, para o bem e para o mal.
No médio prazo, pessoas como eu deveriam estar pensando em um modelo de capitalismo responsável.
Pois existe uma convergência entre o debate sobre mudanças climáticas e a recessão,
por razões óbvias.
Nos dois casos, estamos falando de um papel forte do Estado e de mais regulação, de um
planejamento de longo prazo
que não houve antes, de controlar mecanismos de mercado
de modo mais efetivo do que foi
feito nos últimos 30 anos, de
inovações tecnológicas.
Mas ainda estamos no estágio inicial de descobrir o que
seria um novo modelo de capitalismo responsável e global. A
crise é mundial, não importa o
que a Europa ou os EUA façam.
Essa é uma questão em aberto, pois os países não têm sido
bons em chegar a acordos, mesmo quando é de seu interesse. A
Rodada Doha e a Organização
Mundial do Comércio são
exemplos perfeitos.
FOLHA - Muitos teóricos têm falado em "desglobalização", como no
caso do aumento do protecionismo.
GIDDENS - A globalização é um
termo que abarca muitas mudanças, e é preciso quebrá-lo
em várias partes. Há alguns aspectos muito improváveis de
serem revertidos, como a revolução das comunicações, uma
das maiores forças da globalização.
Goste-se ou não, isso ainda
será o futuro: o mundo estará
integrado imediatamente pela
tecnologia e quase certamente
isso continuará a ter avanços.
Nesse sentido, a globalização
está aqui para ficar.
Mas, quando se fala em livre
mercado, é diferente. Alguns
aspectos podem ser revertidos,
isso já aconteceu antes, e, em
uma situação de recessão, as
pessoas tendem a se voltar para
seus países.
Mas, se sabemos alguma coisa de teoria econômica, é que
protecionismo, no final, prejudica sua própria economia.
Nenhuma economia que se
isolou do mercado global conseguiu realmente prosperar.
Pessoalmente, não acho que o
protecionismo voltará, como
nos anos 1930.
FOLHA - Quais são suas expectativas para o encontro do G20?
GIDDENS - Acho que tem mais
chances de chegar a um acordo
do que a imprensa diz, pois esta
é a primeira vez em que houve
tal grau de reconhecimento da
natureza global da crise.
Poderá haver acordos para
aumentar a transparência ou
para expandir o papel do FMI.
Mas será preciso verificar em
que extensão serão implementadas no mundo real.
O que certamente ocorrerá
será um acordo de fachada.
Haverá a apresentação de um
acordo -ele de fato ocorrendo
ou não-, pois todo mundo reconhece que precisamos tranquilizar o público e o mercado
-ele de novo!
FOLHA - Em uma palestra, o sr. afirmou que o clima do mundo vai mudar irremediavelmente, mas não vê
isso como uma ameaça iminente.
GIDDENS - O que disse é que o
debate quanto à mudança climática é sobre riscos e sobre
como analisar esse riscos.
No momento existem várias
formas de medição de risco feitas pelos cientistas, e o consenso parece ser que a mudança
climática é mais iminente e
mais perigosa do que pensávamos, mas não está claro completamente o que querem dizer
com isso.
É sensato dizer que as emissões na atmosfera já estão produzindo efeitos, mas, se se está
falando de 2050, quem sabe dizer o que poderemos fazer para
responder a isso?
Existem muitas divergências
na comunidade científica sobre
quão iminentes essas coisas
são, e posso dizer isso porque
passei os últimos dois anos estudando o tema.
É muito importante para países como o Brasil, com algumas
condições climáticas violentas,
pensar em se adaptar a esse novo contexto, fazer estudos de
vulnerabilidade, encontrar
meios de convergência para
procedimentos que ajudarão
em caso de mudanças significativas no clima.
Por exemplo, proteção contra enchentes, ao mesmo tempo melhorando práticas de
agricultura.
Existe uma boa área de desconhecido nos próximos 20, 30
anos. Quem sabe o mundo possa ter um mecanismo de adaptação sozinho, talvez a própria
natureza produza uma solução.
Mas o que sabemos até agora
é que, uma vez que as emissões
forem lançadas na atmosfera,
não sabemos como tirá-las, e os
principais gases do efeito estufa podem permanecer lá por
400 anos.
Há cientistas que já conseguem [retirar os gases da atmosfera] em pequena escala,
mas não sabemos se será possível em grande escala.
As pessoas estão muito confusas, apesar da grande educação formal.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
inglês podem ser encomendados pelo site
www.amazon.co.uk
Texto Anterior: Pedofilia gráfica Próximo Texto: Mercado de créditos de carbono enfrenta risco de descrédito Índice
|