|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MAIS
O G20 em 10 questões
FMI ESTÁ
NUM BECO
SEM SAÍDA, POIS NÃO TERÁ
DE ONDE TIRAR
RECURSOS,
E DISCURSO
PROTECIONISTA
SERÁ CRITICADO OFICIALMENTE, MAS ADOTADO NA PRÁTICA
|
ROBERT KURZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
1. Renovação
Nos tempos da economia das bolhas financeiras e da conjuntura
global de déficits, as instituições econômicas internacionais,
sobretudo o Fundo Monetário Internacional, eram consideradas
quase supérfluas.
O dinheiro parecia existir em
abundância, desde que se estivesse em condições de participar
do jogo.
Agora o jogo acabou. Sob a impressão da devastadora crise financeira global, a cúpula do G20
pretende renovar na íntegra a
arquitetura do sistema financeiro internacional e, mais especificamente, revivificar o FMI. Mas,
a rigor, já é tarde demais.
De onde o FMI receberá seus recursos? Em uma situação de
"perplexidade desorganizada",
bons conselhos ameaçam tornar-se proibitivamente caros.
2. Poder institucional
Já antes da realização da cúpula,
brigava-se pelas competências
institucionais. A China propõe
que o FMI controle, no futuro, o
sistema financeiro internacional, reservando ao Banco para
Pagamentos Internacionais, na
Basiléia [Suíça], o papel de definir as novas regras.
Isso, porém, provoca a reação
dos EUA, que não aceitam quem
lhes prescreva regras. Além disso a distribuição do poder institucional refere-se a um futuro
que talvez nem se concretizará.
Se, de certo modo, nada mais há
para controlar, a única tarefa remanescente será a gestão da crise. E aqui é de pouquíssima serventia regatear em torno de
competências futuras.
3. Beco sem saída
Na situação emergencial momentânea, numerosos "Estados
cadentes" ("falling states"), nos
quais a falência do Estado deveria ser evitada, ameaçam entrar
em cena, da Islândia à Romênia.
Nesses países, o FMI não mais
deve impor exigências discriminadoras quando da concessão de
créditos. Apesar disso, a ajuda
do fundo nesses mercados está
vinculada a um estigma, que
tende a piorar a situação.
Por isso, por exemplo, a Coreia
do Sul não pretende lançar mão
de recursos, embora deles necessite. Tal situação configura
um beco sem saída.
4. Financiamentos
Para superar a crise, o FMI pretende inventar um novo programa de créditos, denominado Linha de Crédito Flexível.
Mas esse nome bonito não diz
nada sobre a origem do dinheiro
com que o programa deve ser financiado e, tampouco especifica
sua destinação.
Não existe mais nenhuma cornucópia cujas benesses possam ser
derramadas. Os espaços monetários centrais já precisam enfrentar suas crises internas.
5. Potência inflacionária
A médio prazo, todos os programas de crédito do FMI só podem
ser implementados com base no
dólar. Mas são justamente os
EUA que agora acionam a máquina de imprimir cédulas.
Neste ano, o endividamento deverá aumentar no mínimo em
15% do Produto Interno Bruto.
A mesma tendência já se entremostra no Japão e na União Europeia. A potência inflacionária
que ela contém e que, de qualquer modo, já é global só pode se
reforçar, em razão dos créditos
adicionais concedidos pelo FMI.
6. China e Índia
Países como a China e a Índia reivindicam uma cota mais elevada
de direitos especiais de saque no
FMI. De momento, a China detém apenas uma cota de 3,7%.
Afirma-se que isso já não mais
corresponde ao peso da economia chinesa.
Mas uma cota mais elevada para
a China afetaria outros países,
como a Suíça, que naturalmente
resistem contra essa medida.
Além disso, a China e a Índia se
transformarão, logo mais, de pesos pesados em pesos leves no
decurso da crise econômica global. A redistribuição das cotas
refere-se ao passado.
7. Crise do dólar
Outro tema do G20 será a substituição do dólar como moeda
mundial, naturalmente às expensas dos EUA.
O primeiro-ministro russo Vladimir Putin pretende "minar" a posição do dólar. Mas ele é uma
toupeira incompetente, pois o
próprio rublo [moeda russa] está
despencando. O iene e o euro
também não podem substituir o
dólar. Todas as moedas centrais
sofrem os efeitos da mesma crise financeira.
Trata-se de uma crise generalizada da moeda enquanto "equivalente geral", não apenas de
uma mera debilidade da moeda
de reserva na concorrência normal entre as moedas nacionais.
8. Moeda fictícia
Com boas razões, a China vê com
ceticismo os objetivos de Putin,
mas a ideia chinesa de substituir
o dólar como moeda de reserva
justamente pelos direitos especiais de saque junto ao FMI não
é, em nada, melhor.
Essa moeda fictícia não tem nenhum fundamento na economia
real e deve fracassar enquanto
moeda de aplicação de reservas
internacionais, por representar
apenas uma superestrutura sintética da moeda real de todos os
Estados nacionais envolvidos.
Com esse sucedâneo, não há como conquistar a famosa "confiança" dos mercados.
9. Cooperação e protecionismo
É certo que na cúpula do G20 será invocada, em termos ritualísticos, a construtiva cooperação
internacional em meio à crise.
Mas, quanto mais fortes forem
os clamores de advertência de
todos contra o risco de "reflexos
protecionistas", tanto mais todos estarão preparando, no plano doméstico, suas medidas protecionistas.
Isso vale em especial para a China e os EUA, cujas advertências
são particularmente audíveis.
Cada um cuida primeiramente de
si, embora todos saibam que, no
patamar econômico entrementes atingido, a globalização só é
reversível ao preço de colapsos
de crises muito mais profundas.
10. Resultados duvidosos
Causam perplexidade não apenas as contradições entre os países envolvidos, mas também
suas contradições internas. Em
todos os países, os partidos lutam por concepções igualmente
arriscadas.
A queda dos governos tcheco e
húngaro coloca a pergunta se os
ministros presentes ao encontro
de Londres genericamente ainda
podem falar em nome de seus
países e se a cúpula ainda tem
capacidade de negociar soluções
a longo prazo.
O êxito da cúpula da crise é mais
do que duvidoso. Provavelmente
os participantes se despedirão
com cortesia, sem terem chegado a resultados palpáveis, e procurarão depois salvar a própria
pele. A interdependência de todos tende mais à paralisia, pois o
mundo do capital desconhece
uma instância comum.
ROBERT KURZ é sociólogo alemão, autor de "O Colapso da Modernização" (Paz e Terra).
Tradução de PETER NAUMANN.
Texto Anterior: O G20 em 10 questões Próximo Texto: +Livros: Um assunto de mulheres Índice
|