São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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+ Teatro

Lição de mestre

Maior dramaturgo americano vivo, Edward Albee ensina a compor peças e diz que todo escritor tem de "ler porcaria"

KATHRYN SHATTUCK

Edward Albee gosta de contar sobre a época em que, aos 18 anos, depois de fugir do lar conservador e sufocante de seus pais adotivos para iniciar uma educação autodidata mais abrangente em Greenwich Village [em Nova York], bateu à porta de W.H. Auden [1907-73]. Albee, que é freqüentemente citado como o maior dramaturgo americano vivo, considerava-se então um poeta.
"Eu joguei meus poemas na mão dele e disse: "Voltarei daqui a uma semana", e corri", lembra. "Uma semana depois eu apareci e ele me convidou para entrar. Passou duas horas falando sobre meus poemas."
Assim começou o "Evangelho segundo Albee", uma aula magistral de duas horas no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Se os jovens ouvintes de Albee serão escritores para toda a vida é uma incógnita, mas ele tinha muitos conselhos para lhes dar.
"Acho que cada escritor tem um momento diferente quando decide que será um escritor", ele disse. "George Bernard Shaw escreveu sua primeira peça aos 42 anos. Até então ele havia sido um crítico de música. No entanto Mozart já sabia que seria compositor aos quatro anos, mas ele era especial."

Um baú de poemas
Albee era um sábio aos oito anos, quando começou a escrever poesia como meio de escapar de um lar em que, segundo ele, nunca se sentiu exatamente em casa. Na adolescência tinha terminado dois romances, que considerou muito ruins e longos, hoje escondidos entre as estantes de teatro na Biblioteca Pública de Nova York.
Com 20 e poucos anos, levou um baú cheio de seus poemas para a Colônia MacDowell [fundado em 1907, foi o primeiro retiro de artistas dos EUA], onde num fim de noite, com uma garrafa de bourbon, Thornton Wilder lhe perguntou se já havia pensado em escrever peças de teatro.
"Não estou sugerindo que Wilder viu em mim um dramaturgo", disse Albee. "Acho que talvez estivesse apenas tentando salvar a poesia de mim."
Albee disse que parou de escrever poesia aos 28 anos: "Eu era melhor imitador do que poeta. Nunca me senti um poeta. E você não pode fazer o que não sente".
"Acho que todo mundo tem um momento em que descobre que tipo de escritor é", continuou. "Eu deveria ter começado a escrever peças mais cedo? Não. Cada um tem uma idade diferente em que se torna capaz de escrever o que tem que escrever."
Para Albee foi sua primeira peça, "Zoo Story", que ele terminou em apenas três semanas em 1958. Mas nem mesmo William Inge e Aaron Copland conseguiram ajudá-lo a fazer que ela fosse produzida nos Estados Unidos.
Foi só depois da estréia da peça na Alemanha, quando um crítico do "New York Times" comentou que era uma pena que um jovem dramaturgo americano não recebesse atenção em seu país, que ela chegou à Off Broadway.

"O tempo que precisar"
"A virtude não é sua própria recompensa", continuou Albee. "Existe uma enorme diferença entre popularidade e excelência. Como dramaturgos, vocês serão encorajados a não prolongar as falas, a simplificar, a fazer as coisas de maneira diferente do que pretendiam. Vocês serão encorajados a fazer em duas horas peças que seriam perfeitamente felizes com três horas e meia."
Quanto tempo deve durar uma peça?
"O tempo que precisar", disse Albee, quase trovejante. "Tudo tem sua duração, o que não tem nada a ver com comércio. Faça o que for preciso para ganhar a vida, mas decida se você vai ser um autor comercial ou sua própria pessoa."
"Os escritores não têm permissão para uma certa quantidade de fluidez criativa?", perguntou a estudante Rusch, cujos esforços oscilam entre a poesia e a prosa.
"Sim, mas as pessoas geralmente são melhores em uma coisa ou outra", disse Albee. "Henry James foi um grande romancista, mas um péssimo dramaturgo. Arthur Miller escreveu um romance. Não chegue perto dele. Samuel Beckett foi um grande romancista e um grande dramaturgo. Ele reinventou as duas formas, por isso as pessoas não podem tocá-lo."
"Acha que a verdadeira arte e a verdadeira escrita vêm com a experiência e a vida?", perguntou o estudante Frankfurt.
"Você está usando termos que não entendo", disse Albee.
Frankfurt recomeçou: "Eu quero dizer que saiam do modo como queremos dizer", ele disse.

Trama e personagens
"Então diga", disse Albee. "Essa é a sua função, mudar as coisas e atrair as pessoas para o seu ponto de vista. Ou você está certo ou está errado. A criatividade começa no inconsciente. Não escreva cedo demais. Conheça seus personagens. Você deve escrever sobre pessoas absolutamente reais em situações reais. É a única maneira de os atores poderem representar seu material."
Também houve questões práticas: nunca faça discursos, não seja obscuro, nunca se torne a opinião de alguém sobre você e lembre-se de que cada fala tem dois objetivos: primeiro, delinear o personagem e, segundo, fazer a trama avançar. Tudo o mais é desperdício.
Também houve uma lista de leituras dos quatro dramaturgos essenciais do século 20 (Tchecov, Pirandello, Beckett e Brecht) e uma advertência: "Se vocês lerem só os grandes autores, terão problemas", ele disse.
"Leiam porcaria. É enormemente encorajador dizer a si mesmo: "Eu posso fazer melhor do que isso"."
E, finalmente, uma palavra de incentivo. Albee lembrou sua decepção em 1962 ao encontrar 75 pessoas -atores, substitutos, auxiliares de palco, figurinistas- na sala no primeiro dia de ensaios de "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?".
"Só há um motivo para haver 75 pessoas sentadas aqui", disse o produtor, segundo Albee. "Nunca esqueça que a peça começa com você e nunca poderia ser feita sem você."
Fim da aula.

Este texto foi publicado no "New York Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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