São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livros

Histórias de boa e má famas

"Celebridade" se debruça sobre as personalidades e o mecanismo de valorização do showbiz

BEATRIZ RESENDE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Celebridade é, decididamente, uma palavra mágica. Vende revistas, filmes, downloads de música para celulares, álbuns de figurinha ou sapatos incômodos.
Pergunto-me se o estudo de Chris Rojek (da Nottingham Trent University, Reino Unido), "Celebridade", chegaria ao Brasil, país tão parcimonioso na publicação de estudos teóricos, se tivesse outro título.
O livro é sério, e, mesmo que a pesquisa realizada não seja das mais áridas, é vasta e honesta, mas sete ou oito anos após ser escrito, chega velho e se revela, por trás de um biombo "trompe l'oeil" pós-moderno, tímido e conservador.
A parte inicial na obra tem sua originalidade ao concentrar a análise na própria figura da celebridade.

Ênfase na pessoa
Ainda que anunciando tratar a celebridade como "a atribuição de status glamouroso ou notório a um indivíduo dentro da esfera pública", sua atenção maior é às características pessoais da celebridade e abre seu elenco com a brasileira Gisele Bündchen, apresentada como "glamourosa".
Essa simpática citação, aliás, mereceu crítica de Georges-Claude Guilbert, na revista "Cercles", que considerou que seria melhor mencionar alguma diva de Hollywood ou da MTV do que a supermodelo brasileira, fazendo a ressalva: "Sem nenhuma xenofobia"! Na conceituação inicial, o autor faz distinção entre celebridade, notoriedade e renome. O renome depende de contato parassocial pessoal ou direto, enquanto celebridades são criações culturais.
A celebridade pode ser conferida, adquirida ou atribuída, e a notoriedade analisada é, predominantemente, aquela conquistada por "transgressões" que permitiriam "ao indivíduo carente de realização o reconhecimento da mídia".
Dois conceitos novos complementam o de celebridade: o "celetóide", exemplo de sucesso efêmero, cometas na área dos esportes, heróis do dia; e os "celelatores", criações satíricas, personagens de quadrinhos.
Os exemplos estudados, revelando infelicidades, suicídios e riscos corridos por celebridades como John Lennon, que se afastou dos holofotes por opção em diversas ocasiões e acabou assassinado por um fã, leitor de [J.D.] Salinger, muda o foco habitual dos estudos. Isso acontece sobretudo ao tratar dos jovens criminosos ou políticos transgressores.
Nesse momento, o papel da confissão aparece decisivo para a redenção. Lembramos no caso Ronaldo Fenômeno, que não fez mal a ninguém, exceto a ele próprio, ao enjoar de aspirantes a famosas e intermediários de serviços exclusivos de celebridades e se meter em imensa confusão.
Ao que parece, a confissão do jovem -certamente mais sincera que a de Bill Clinton- lhe salvou os patrocinadores.
Essa aproximação personalizada, no entanto, termina por levar o autor a centrar-se excessivamente em relações individuais. Repetidas vezes o grande problema que assola as celebridades é o cisma entre o rosto público e o "eu verdadeiro": "A celebridade baseia-se na montagem de um rosto público que necessariamente altera o eu verdadeiro".
Isso de "eu verdadeiro", a esta altura do debate sobre múltiplas identidades, parece um pouco revelações na ilha de "Caras"! Com esse movimento para o puramente individual, o autor se torna especialmente tímido em relação ao papel da mídia.
Opõe-se à franqueza de uma Susan Sontag ao dizer que a afirmação de André Glucksmann "guerra agora é um evento de mídia" é "indecente", ainda que acerte no alvo.
O famoso circo da mídia a celebridades é surpreendentemente poupado quando Rojek menciona Lady Di apenas a propósito da bulimia ou do corte de cabelo.
Impossível não lembrar aqui a força das declarações de Pierre Bourdieu ao falar da cobertura de imprensa na morte da princesa e dos "que exploravam muito além dos limites da decência o filão jornalístico".

Temas inadiáveis
O processo eleitoral latino-americano, em que figuras de presidentes pouco adequadas ao citado perfil de marketing político de estilo hollywoodiano conquistam a simpatia dos eleitores, a ascensão de Barack Obama [candidato democrata] nos EUA, a força da cultura da periferia das grandes cidades produzindo seus próprios ídolos, a defesa de novas formas de livre difusão e acesso à cultura, sobretudo a digital, são questões que vêm trazendo temas inadiáveis -inclusive no debate sobre o processo democrático na mídia, na gestão da cidade, da política em geral.
O intelectual que limitar suas análises ao comportamento individual, quer da celebridade, quer do fã, acabará, como Rojek, vendo na democracia "condição social e psicológica" que revela apenas "falta generalizada de satisfação", para concluir sua obra de forma conservadora e simplista: "Enquanto a democracia e o capitalismo prevalecerem, haverá sempre um Olimpo, habitado não por Zeus e sua corte, mas por celebridades elevadas acima da massa."
Saudades de Bourdieu e suas pesquisas sobre o "sofrimento social".


BEATRIZ RESENDE é professora da Escola de Teatro da UniRio, coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do CNPq.


CELEBRIDADE
Autor: Chris Rojek
Tradução: Talita M. Rodrigues
Editora: Rocco (tel. 0/xx/21/ 3525-2000)
Quanto: R$ 38 (224 págs.)




Texto Anterior: Livros: A infância de um chefe
Próximo Texto: Guerra fria e íntima
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.