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Criacionismo X Darwinismo
A vida em suspensão
LUIZ FELIPE PONDÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA
De onde vem a ordem que vemos no
universo? Contrariamente ao que
pensa o senso comum "científico", sabemos
pouco mais do que sabia Aristóteles. "Descobertas revolucionárias" se amontoam. O debate se dá hoje, como antes, ao
redor da questão: como o acaso
pode organizar o pó atômico e
"fazer" o olho ver? Como demonstrar empiricamente esse
processo ancestral?
Os gregos usaram a palavra
"lógos" para descrever a perceptível "racionalidade nos elementos". Os cristãos disseram
que esse lógos era Cristo. Outras culturas supõem ritmos
harmônicos que estabelecem
continuamente essa ordem.
A pergunta pela origem eficiente das coisas (Aristóteles)
implica uma outra, essencial: a
origem define o destino? Origem e sentido da vida sempre
se reuniram na contemplação
do lógos eficiente (a ordem).
A controvérsia que opõe o
darwinismo ao criacionismo
(que não significa mulheres de
saia e cabelos compridos nem
homens autoritários com a Bíblia na mão) -ou teoria do "design inteligente", herdeira direta da união entre o "primeiro
motor" aristotélico e o Deus de
Abraão- não é apenas uma
querela sobre como a poeira
cósmica começou a pensar,
mas uma discussão acerca do
sentido profundo da vida.
Matéria auto-suficiente
O darwinismo nasce em
meio ao naturalismo do século
19 (e seu positivismo e pânico
malthusianos) e avança em direção à cosmologia e à psicologia. Na sua face cosmológica, o
darwinismo ortodoxo é a forma
mais séria de ateísmo que existe. Freud, Marx, Feuerbach e
Nietzsche se batem contra as
representações históricas de
Deus, e só uma filosofia fraca
leva esse ateísmo a sério.
Atacar Deus "a sério" é enfrentar a herança aristotélica. É
"derreter" o designer imaterial,
"mostrando" como a mistura
de pó, acaso e repetição inercial, ao longo de uma infinidade
de tempo, foi capaz de atingir o
ato de pensar.
O darwinismo é a teoria da
auto-suficiência da matéria.
A agressão sistemática sobre
genes que têm resistido ancestralmente ao ambiente (adaptar-se é função dessa relação) e
que, portanto, só podem se reproduzir a partir do que "sobrou" deles (essa é a tese do
acúmulo de design cego) é a
chave para a seleção natural,
que produz, assim, uma ordem
adaptada "sem querer".
Essa é a cegueira, não há intencionalidade no processo.
Em nós, o sonambulismo dos
elementos naturais foi rompido. Somos "mais sofisticados"
do que nossa origem, afirmação
anti-religiosa por excelência.
Os criacionistas afirmam (o óbvio) que falta muito em termos
empíricos para saltar da biologia à astrofísica ou ao lógos molecular e, daí, à alma racional.
E mais: a única "prova definitiva" da teoria da adaptação é
seu produto, ou seja, os adaptados, que são, por sua vez, definidos como tal pela teoria que depende deles para se sustentar
racionalmente. Qualquer cético reconhece a circularidade do
argumento.
Como tudo que é sério, isso
vai além do que a ciência pode
saber. Provar que Deus não
existe é impossível. A teologia
"científica" pode chegar, talvez,
até um Darwin "profeta".
O impacto continuará sendo
-como sempre é- no cotidiano existencial das pessoas que
procuram, em meio ao ruído
das "novidades científicas", alguma luz para sua temida banalidade cósmica.
LUIZ FELIPE PONDÉ leciona na pós-graduação
em ciências da religião e no departamento de
teologia da Pontifícia Universidade Católica-SP e na Fundação Armando Álvares Penteado.
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