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Privado X Estatal
O racha de uma nação
HELGIO TRINDADE
ESPECIAL PARA A FOLHA
A polarização estatismo versus privatismo foi no segundo
turno uma polêmica puramente eleitoral? Obviamente, os dois candidatos buscaram estabelecer
suas estratégias construídas no
debate, mas estas refletiram
também questões substantivas
e simbólicas.
Por mais que se tente relativizar a polarização clássica direita/esquerda, algumas polarizações são, em ultima instância, sinalizadoras dos projetos
políticos subjacentes. Reforçam as identidades políticas e
ideológicas, renovam o compromisso com o candidato e
traduzem para os indecisos, em
linguagem acessível, os temas
centrais da campanha.
Como toda estratégia eleitoral, tem riscos, mas seu êxito
depende da capacidade dos
candidatos de impingirem no
seu adversário a visão menos
popular da polarização.
O segundo turno ofereceu ao
eleitorado a possibilidade de
uma decisão mais madura pela
confrontação direta entre os
candidatos e seus programas.
A oposição, impregnada de
um lacerdismo tardio, apostou,
como no primeiro turno, na estratégia de centrar o debate no
tema corrupção/anticorrupção. Este, que marcou o liberalismo conservador e golpista da
UDN entre 1945 e 1964, se
mostrou, hoje, ineficaz em termos nacionais.
Embora o candidato de oposição buscasse no primeiro debate nocautear seu adversário
numa ofensiva baseada no episódio do "dossiê", na realidade
acabou consumindo os últimos
cartuchos da retórica denuncista. Os primeiros resultados
das pesquisas mostraram que o
eleitorado sinalizava que o segundo turno seria para aprofundar o debate, e o crescimento da candidatura da situação
se fez, sobretudo, pela conquista de votos do adversário.
Se no primeiro turno a oposição se pautou pelo tema da corrupção, a estratégia do segundo
turno foi construída pelo governo, como contra-ofensiva,
por meio do debate estatismo x
privatização, colocando a oposição na defensiva diante da
herança dos governos tucanos.
Estatismo no Brasil tem
marcas históricas que ultrapassam o receituário neoliberal.
Com raízes na polarização
"nacionalismo versus entreguismo", possui conotações
ideológicas claras: seja pelo
vínculo a Getúlio Vargas ou
Juscelino Kubitschek, símbolos da valorização do patrimônio público e da expansão da
indústria nacional, seja pela associação traumática com a experiência precursora de Fernando Collor de Mello.
Estatismo versus privatismo
tornou-se um componente
obrigatório no debate político,
capaz de reforçar as identidades políticas, especialmente
quando a Petrobras assume no
imaginário o caráter de empresa pública símbolo e fortemente rentável.
Essa polarização resultou, de
fato, do deslocamento do debate para questões programáticas. Quando os candidatos procuravam valorizar no discurso
o crescimento da economia e as
políticas sociais, era preciso
mostrar as diferenças por meio
das clivagens ideológicas. A
contra-ofensiva do candidato à
reeleição, confrontando as políticas públicas do atual governo e o fantasma da herança privatista dos governos neoliberais, legitimou a estratégia.
Numa campanha pobre no
debate programático aprofundado, a polaridade estatismo-privatismo acabou sendo uma
referência politicamente eficaz, num contexto de forte
competição eleitoral, atiçada
pela mídia à saciedade, na demarcação do perfil das candidaturas para possibilitar um
voto mais consciente dos eleitores no segundo turno.
HELGIO TRINDADE é professor titular de ciência política e ex-reitor da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.
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