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Brasil X Índia
O sonhado Primeiro Mundo
Ajay Verma - 25.ago.2006/Reuters
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Estudantes protestam em Chandigarh contra medida do governo indiano que reserva vagas para pessoas de castas mais baixas nas escolas do país |
GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os ideais de cooperação Sul-Sul parecem um tanto
arranhados ao final do primeiro
governo Lula: do lado de cá, Bolívia e Venezuela e às vezes até
Argentina andaram dando de
ombros para a mobilização
brasileira em favor da formação de um bloco regional.
Do lado de lá, China, Índia e
Rússia pareciam num dado
momento oferecer outra perspectiva de integração, resumida na sigla "Bric", mas nos últimos meses esse ícone também
perdeu prestígio e o Brasil foi
um dos primeiros a ser colocado de lado.
Bricabraque
Aparentemente, voltou a imperar um clima de todos contra
todos na luta muitas vezes ombro a ombro das economias em
desenvolvimento ou "emergentes" para chegar primeiro
ao Primeiro Mundo. A Índia,
que no passado serviu até de referência para a parte pobre do
Brasil (o economista Edmar
Bacha cunhou a célebre "Belíndia"), agora parece muito mais
preparada e adiantada na corrida por espaços na globalização.
Há uma diferença crucial no
contraponto entre Brasil e Índia mas também diante de China e Rússia: só eles têm bombas
atômicas e freqüentam os círculos mais avançados das mais
avançadas tecnologias. Índia,
China e Rússia representam
ainda a passagem de mais um
ciclo numa história já milenar
de projetos imperiais.
O Brasil é pós-colonial, uma
criança, muito mais ignorante e
despreparada, militar e tecnologicamente. No entanto há um
certo exagero retórico tanto no
agrupamento dessas economias grandes e emergentes
quanto na sua contraposição
excessivamente caricatural.
O cenário de inserção dessas
economias no ciclo mundial de
crescimento econômico, apesar das vantagens competitivas
às vezes extremas de China ou
Índia, depende na maior parte
do tempo do desempenho das
economias centrais.
No ciclo mais recente, houve
uma relativa estabilização, especialmente depois das crises
financeiras asiática e russa do
final dos anos 90 do século passado. Desde então, a reciclagem
financeira, monetária e cambial ocorreu tanto na Ásia
quanto na América Latina.
Em 2006, pelo terceiro ano
seguido, todas as 32 grandes
economias emergentes monitoradas pela revista "Economist" tiveram crescimento do
PIB. O Brasil cresceu menos e
investiu menos mas também
recebeu investimento direto
estrangeiro e estatal em setores
considerados estratégicos.
Mas é cedo para dizer qual o
modelo vitorioso, o capitalismo
asiático ou a liberalização macunaímica.
Espírito cordial
As estratégias imperiais e milenares dos asiáticos são mantidas a ferro e fogo, com níveis de
violência do Estado, repressão
de minorias e intolerância étnica interna numa ordem de
grandeza incomparável ao "homem cordial" brasileiro (mesmo levando em conta o crescimento recente do crime organizado e de certas máfias paraestatais e semipúblicas).
O espírito mais pragmático
ou flexível e até a hospitalidade
brasileira têm sido cada vez
mais elevados à condição de fatores de competitividade e confiabilidade. Aos trancos e barrancos, o sistema jurídico e a
transparência nas políticas públicas apenas aumentaram desde os já remotos anos 80, em
que o FMI praticamente obrigou o governo militar a colocar
as finanças públicas em ordem
e prestar contas dos vários orçamentos.
Apesar dos pesares, o sistema
administrativo e político brasileiro está léguas à frente, em
governança, transparência, regulação e democratização, em
relação aos similares ou arremedos chinês, russo e mesmo
indiano.
A miséria extrema ou a simples existência de populações
gigantescas ainda condena boa
parte da competitividade dessas economias a uma convivência com baixa qualidade de vida. O PIB pode crescer mais rapidamente que o brasileiro,
mas nada garante que o PIB seja o melhor indicador de sucesso, felicidade ou sustentabilidade política.
Brasil e Índia, América e
Ásia, Ocidente e Oriente: essas
oposições insistem em reaparecer sem que se possa dizer
com clareza, neste momento,
quem de fato está chegando
mais rapidamente ao Primeiro
Mundo.
Afinal, Wall Street e a City
londrina estão presentes com
vigor tanto em Mumbai quanto
em Pequim ou São Paulo. Para
todos os efeitos, partes estratégicas de todos os países emergentes já estão interligadas na
rede financeira que atravessa o
capitalismo global.
GILSON SCHWARTZ leciona economia na Escola de Comunicações e Artes da USP e é coordenador do projeto Cidade do Conhecimento.
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