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Populismo X Tecnocracia
Conhecimento é poder
ROBERTO ROMANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Existe nas palavras uma
bruxaria e um fascínio
que lhes dão tremenda força, a qual supera
toda explicação"
(South). Cuidado com os vocábulos, sobretudo quando ordenados em par e submetidos ao
mesmerizante "ismo"! A cautela deve imperar sempre que são
esmiuçados problemas sociais,
econômicos, políticos. Sainte-Beuve recomenda prudência
no uso do sufixo, pois ele só fornece boa consciência aos que
atacam fantasmas.
"Se fosse possível discernir e
separar o que pertence ao puro
escritor vivamente inspirado e
à caneta divertida que se empenha, o quanto não se deveria
descontar do absolutismo de
Joseph de Maistre, do ceticismo de Montaigne, do serafismo de Francisco de Sales e do
jansenismo de Agostinho!"
("Port-Royal").
Polemistas de má-fé (uma
quase tautologia) pespegam
nos adversários um "ismo"
qualquer. A grafia assim envenenada cumpre o papel da
"embreagem" proposta por
Benveniste. Sem conceitos para enunciar um complexo objetivo ou subjetivo, o locutor move a embreagem dos sufixos e
dá a causa por vencida.
É o caso do "populismo" e do
"tecnocratismo". Na recente
história política e cultural,
muitas atitudes nomeadas como "populismo" uniram-se a
todo um aparato tecnocrático.
Demagogos podem servir como face humana de burocracias movidas por frios cálculos.
O poder nazista e o seu primo
soviético usaram a liderança de
massas e a conjugaram a sofisticadas engenharias geopolíticas, econômicas, psicológicas,
propagandísticas e repressivas.
Sem ismos
O "ismo" amplia certas maneiras de pensar e agir. Ele é caricatura com traços de verdades originais. O "populismo"
exagera a soberania popular, algo essencial no Estado de Direito. Tal atitude deixa na sombra
outros requisitos do Estado, como a institucionalização jurídica, os mecanismos de comando
e planejamento. As pretensões
tecnocráticas tendem a ignorar
a soberania dos cidadãos, em
prol da mecânica jurídica, econômica, científica, estratégica.
Quem estuda etnólogos como André-Leroi Gourhan sabe
que o nosso corpo e a inteligência resultam de milênios nos
quais a humanidade tateou a
natureza e produziu técnicas
para expandir a ordem biológica na qual nascemos. A nossa
estrutura corporal resulta da
politecnia que ordenou a nossa
ordem geográfica e histórica.
Ideólogos -na trilha de Heidegger- acusam o imperativo
técnico com o "ismo" e toldam
as maiores esperanças do coletivo humano. O Estado é um
mecanismo complexo. Ele garante as ordens políticas e científicas que ampliam a vida.
Mas, sem o poder do povo, o
elemento técnico é desregulado ou serve apenas para a dominação oligárquica e mesmo
totalitária. Sejam esquecidos os
"ismos" e asseguremos, em
nosso país, o elo entre saberes
técnicos e ordem democrática.
Mesmo para o Brasil vale o
enunciado de Bacon: "Knowledge and power meet in one"
["Conhecimento é poder"].
Nações que não têm o Estado
democrático de Direito e não
podem contar com saberes
avançados recebem papel subalterno na ordem mundial.
No Brasil, ciência e técnicas
ainda são assuntos exclusivos
do governo. É preciso abandonar o feitiço das antinomias falsas. Precisamos de poder soberano democrático. Urge produzir o maior número possível de
novas técnicas.
O resto é apenas o "ismo" da
pura má-fé, disfarçada por
máscaras ideológicas.
ROBERTO ROMANO é professor titular de ética
e filosofia política na Unicamp.
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