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O turista acidental
Coletânea de textos de Italo Calvino traça uma autobiografia intelectual a partir de reflexões sobre Paris, Turim e os EUA
MARIA BETÂNIA AMOROSO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Italo Calvino é para seu
grande público internacional o autor de estilo
límpido e lapidado de "As
Cidades Invisíveis" e de
"Se um Viajante numa Noite de
Inverno". O fato de ser italiano
assume uma importância muito pequena, já que o que prende
os leitores a Calvino é a boa literatura que foi sempre capaz
de produzir.
Com a publicação de "Eremita em Paris" começa a se descortinar para nós o escritor na
sua autobiografia intelectual,
nas suas vestes também de homem público, protagonista no
debate cultural italiano desde
muito cedo.
Encerradas as atividades diretamente ligadas à Segunda
Guerra, Calvino tanto começa
a escrever e publicar pequenos
contos como colabora em jornais, principalmente junto ao
"L'Unità", órgão do Partido Comunista Italiano ao qual o escritor se filia, passando a atuar
como militante político e do
qual se destacará somente em
1957. No mesmo período dá
também os primeiros passos
como editor, ao lado de outros
grandes nomes da literatura
moderna italiana, como Elio
Vittorini, Cesare Pavese e Natalia Ginszburg na não menos
importante editora Einaudi.
Os anos 60 e 70 são de distanciamento da política e de reflexão sobre a história, sobre a
geração do pós-guerra. Os cenários não são mais a originária
San Remo, a Turim da Einaudi
nem Roma, mas Nova York e
Paris, escolhidas como ponto
de passagem e de observação.
O novo livro foi organizado
originalmente pela mulher do
escritor, Esther Calvino, em
1994, período em que começou
a ser publicada em papel-bíblia
a reunião das obras editadas e
inéditas de Calvino nos volumes azuis, de capa dura, da
Mondadori.
O intelectual
A partir desse conjunto de
textos, é impossível não notar a
importância do Calvino intelectual, sempre por ele mesmo
deixado à sombra, muito mais
interessado em construir uma
imagem de autor capaz de
orientar seus leitores nas novas
leituras do que lhes fornecer
uma autobiografia confessional. O escritor ganhou o mundo; o intelectual e o ensaísta ficaram para os da casa ou para
especialistas.
Os EUA que visitou em 1959-1960, graças a uma bolsa de estudos de seis meses da Fundação Ford para jovens escritores
estrangeiros, por exemplo, são
retratados do ponto de vista de
um editor que teve por cicerones escritores, artistas, professores universitários e que
transmite o que viu, sentiu e
concluiu para seu grupo de
amigos e colaboradores.
O contraponto ideal -mas
que não consta deste novo livro- para a dimensão pública
de Calvino seriam as anotações
feitas por ocasião de uma outra
viagem, anterior a essa, à então
União Soviética, em 1952.
As comparações entre as
duas viagens, entre os dois "sistemas", despontam em vários
momentos da viagem americana, e Calvino vai se preparando
nesses textos para assumir uma
outra figura, esta também pública, a do observador que olha
à distância o mundo desencantado na sua fragmentação e
caoticidade.
Obedecendo a um desenho
cronológico, "Eremita em Paris" inicia com "Forasteiro em
Turim", texto publicado em
1953, memória comovida da cidade no seu significado amplo
de política, amizade e literatura, e se encerra com uma entrevista de 1985, ano da morte do
escritor, intercalando-se, entre
um e outro, textos autobiográficos e outras entrevistas.
Cidade poética
O relato da vivência americana ocupa cerca de cem páginas
e sugere um auto-retrato fresco
e espontâneo do escritor. O texto que dá título à coletânea é de
1974, e nele Paris surge de uma
forma poética, espécie de reelaboração de temas e com traços
estilísticos já presentes em "As
Cidades Invisíveis", publicado
em 1972.
Sabe-se lá como seria a organização de um livro autobiográfico se totalmente organizado pelo autor; este não o foi,
mas a leitura do volume leva a
pensar em algo entre um retrato para a posteridade -da ciosa
Esther- e o auto-retrato, temeroso em se imobilizar ao se
definir em excesso, mas ambos
são uma demonstração das
eternas contas prestadas por
Calvino com a sua história pessoal enquanto intelectual e escritor italiano.
MARIA BETÂNIA AMOROSO é professora de
teoria literária na Universidade Estadual de
Campinas (SP) e autora de "A Paixão pelo Real
- Pasolini e a Crítica Literária" (Edusp).
EREMITA EM PARIS
Autor: Italo Calvino
Tradução: Roberta Barni
Editora: Companhia das Letras (tel.
0/ xx/11/3707-3500)
Quanto: R$ 39,50 (264 págs.)
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