São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ponto de Fuga


Velhos medos


Em "Atividade Paranormal", a força provém da maneira desprevenida com que tudo é filmado pelos personagens, sem a exploração expressionista de "A Bruxa de Blair'


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

A volta de "A Bruxa de Blair" dez anos depois. É assim que "Atividade Paranormal", primeiro filme de Oren Peli, tem sido tratado nas críticas e comentários.
O paralelo não é falso: baixo orçamento, tom de cinema "vérité", tema sobrenatural e aterrador, êxito enorme. Antes de "A Bruxa de Blair", poucos filmes tentaram, esporádicos, um jogo parecido; salvo erro, apenas três, e admiráveis: "Os Mil Olhos do Doutor Mabuse", de Fritz Lang, "A Tortura do Medo", de Michael Powell (ambos de 1960) e "Cannibal Holocaust", de Ruggero Deodato (1980).
As coisas mudaram, porém, nesta década. Câmeras de vídeo, primeiro em fita, depois digitais, oferecem liberdade e banalização que, naqueles velhos tempos, eram impensáveis. Ficaram menores e cômodas, com recursos complexos e captação mais fina, mesmo no escuro.
Filmagens domésticas acostumaram os olhos com um não estilo que terminou por virar um, cheio de solavancos e acidentes. Os reality shows propagaram o voyeurismo. O YouTube demonstrou que o sucesso brota de bobagens inesperadas, divertidas, e não de sapientes imagens elaboradas.

Novas lentes
Em "Atividade Paranormal", a força provém da maneira desprevenida com que tudo é filmado pelos próprios personagens. Nada de explorações expressionistas, como em "A Bruxa de Blair".
Ao contrário, os momentos tensos se acentuam quando a câmera é abandonada a si mesma e registra, incansável, imóvel, a partir de um tripé. O tempo é controlado pelo marcador, à direita da tela, que acelera ou se acalma. Sons, situados fora do que é visível, acrescentam à verossimilhança sobrenatural.
O diretor sabe que nenhum fantasma é mais aterrador do que o imaginário. Assinala a presença sobrenatural por indícios apenas. Tudo se passa numa casa suburbana da Califórnia, moderna, bem iluminada, e não tem qualquer pingo de gótico.
Os atores que encarnam o casal Katie e Micah são jovens, desconhecidos, simpáticos e sem particular glamour: correspondem à verdade do cenário e dos personagens. Progressão paulatina do sobrenatural, minimalista por vezes: basta uma porta que se movimenta um pouquinho. Nenhuma cena é centrada na histeria. Ao contrário, Katie, sonambúlica, às vezes é tomada por imobilismo inquietante.

Passado
Na casa americana, num mundo que é o da banalidade contemporânea, "Atividade Paranormal" retoma inquietações antigas. Assim, o privilégio que as câmeras possuem de registrar o sobrenatural ocorreu muito cedo, com a fotografia, no século 19, captando ectoplasmas em sessões espíritas.
Desde a invenção dos gravadores de fita que muita gente partiu à caça de sons vindos do além. O tema das casas assombradas é velho como o romantismo, assim como o das mulheres possuídas por demônios ou espíritos.
A estrutura e o andamento da história são bem parecidos com os do conto "O Horla", obra-prima que Guy de Maupassant editou em 1886: nele, o fantasma vampiro vinha de São Paulo, no Brasil. O conto de Maupassant marcou a literatura de Lovecraft, gênio do terror indizível e invisível. "Atividade Paranormal" pertence a essa grande linhagem.

Rabicó
Durante dois anos, o filme de Oren Peli circulou em festivais e universidades americanas, antes de ser descoberto por distribuidores espertos. Ao ser enviado para as grandes salas, o final mudou para um desfecho mais explícito e bombástico, ao que parece, por sugestão de [Steven] Spielberg. A primeira versão, com um longo e desesperante passar do tempo, é muito melhor.


jorgecoli@uol.com.br


Texto Anterior: Os Dez +
Próximo Texto: Biblioteca Básica: Crime e Castigo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.