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+(L)ivros
O lugar Perfeito
Em "O Quadrado
Amarelo",
Alberto da Costa
e Silva explora
as relações
entre épocas
e estilos
artísticos
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Sei que não é muito
usual começar uma
resenha deste jeito,
mas... Que livro bonito! A capa, o formato,
as ilustrações e o estilo de Alberto da Costa e Silva fazem de
cada ensaio de "O Quadrado
Amarelo" um exemplo de sensibilidade, gosto e precisão.
Verdade que alguns textos
trazem a marca do trabalho encomendado: orelhas ou prefácios de livros (para a "Antologia
Efêmera", de E.M. de Melo e
Castro, ou para "Bolor", de Augusto Abelaira) ou pequenas
introduções a catálogos de
mostras de artes plásticas (as
tapeçarias de Concessa Colaço,
os quadros de Carlos Bracher).
Mesmo nessas páginas curtas, entretanto, estão presentes
as inclinações e os interesses
do autor. Especialista na história das relações entre África e
Brasil, poeta e diplomata, Alberto da Costa e Silva é mestre
no jogo das aproximações, dos
diálogos, das continuidades.
É assim que, num estudo detalhado dos santos e anjos de
madeira feitos por Mestre Dezinho [como é conhecido o artesão José Alves de Oliveira,
1916-61] para uma igreja em
Teresina [PI], Alberto da Costa
e Silva evoca a imagem de um
Cristo em marfim que está no
Museu Arqueológico de León,
na Espanha.
Ao texto não faltam fotografias para que acompanhemos
sua argumentação.
Arte elaborada
Também riquíssimo em ilustrações, o ensaio mais longo de
"O Quadrado Amarelo" é dedicado à escultura africana. O autor só menciona de passagem
as conhecidas análises que vinculam a arte de Picasso às máscaras "primitivas" das tribos
isoladas.
A escultura africana, ensina,
tinha também sua vertente
clássica, muito elaborada, na
obra dos artistas a serviço das
cortes e civilizações urbanas.
Os altos-relevos em latão do
Benin ou um saleiro de Serra
Leoa, já com influências portuguesas, são testemunhos de
uma experiência artesanal elaboradíssima.
Não tinham muito como interessar o projeto estético dos
expressionistas e cubistas.
Por isso mesmo, não são tão
conhecidos e surgem como
uma revelação deslumbrante
para quem, lendo o livro de Alberto da Costa e Silva, poderá
dimensionar a própria ignorância no que diz respeito aos
assuntos africanos.
Ignorância que o autor assinala, num ensaio dos mais curiosos, na maior parte dos escritores brasileiros até recentemente. Em muitos de seus versos, Castro Alves (afinal de contas, "o poeta dos escravos")
imaginava-os trazidos das
areias do Egito, às voltas com
caravanas e beduínos...
Sem dúvida, a própria tradição artística africana, pelo menos na escultura, não se fixou
por aqui.
Talvez, sugere o autor, porque o trabalho dos artesãos fosse muito valorizado em sua terra natal, justificando que não
fossem entregues ao tráfico.
Influências e lembranças
Maior mistério estaria no parentesco entre a escultura popular brasileira e os modelos da
arte românica da Espanha e de
Portugal.
O jogo das influências ocultas, dos caminhos subterrâneos
que ligam culturas e autores
distantes, claramente fascina o
ensaísta, a meio caminho entre
a pesquisa histórica e a crítica
de arte.
A investigação de influências
reaparece num ensaio sobre a
poesia de Augusto dos Anjos
[1884-1914]. A persuasiva defesa da qualidade literária de um
autor tantas vezes considerado
ridículo se soma à identificação
de algumas vozes ocultas em
sua obra: Antero de Quental,
Olavo Bilac, Cesário Verde.
Ferreira Gullar e Jules Renard, Fernando Pessoa/Ricardo Reis e Leconte de Lisle: não
são poucas nem arbitrárias as
relações de que é capaz o ensaísta, sem dúvida privilegiado
por uma memória excepcional.
Tanto é assim que não gosta
de tirar fotografias nem de
manter diários de viagem.
Escrevendo sobre suas impressões de Lagos, na Nigéria
(cidade que conheceu em
1960), Alberto da Costa e Silva
explica: "Para mim, é na memória que tudo deixa de ser instável e assume a sua permanência: o real é como o avesso de
um tapete persa, e a lembrança
possui a nitidez de contornos e
de cores da face em que lhe pomos os pés e os olhos".
Por que o livro se chama "O
Quadrado Amarelo"? Mais
uma vez, o autor faz uma aproximação surpreendente, entre
o fundo dourado de um retrato
renascentista e uma tela abstrata de Waldemar da Costa
[pintor, 1904-82].
Aqui, retângulos azuis e pretos se equilibram com quadriláteros vermelhos -e um pequeno quadrado amarelo aparece, suspenso no vazio, "desfazendo e refazendo o que poderia, de outro modo, ser apenas
uma bela, puríssima e acabada
lição de perspectiva".
O ensaísta conclui: "Qualquer que seja o assunto, a extensão e a textura de uma prosa, é preciso nela descobrir o lugar perfeito para um quadrado
amarelo".
Há nisso, sem dúvida, uma
arte da surpresa e do equilíbrio,
da despretensão e da nitidez
-qualidades que este livro, a
despeito de sua grande erudição, preserva admiravelmente.
O QUADRADO AMARELO
Autor: Alberto da Costa e Silva
Editora: Imprensa Oficial (tel. 0/
xx/11/ 5013-5108)
Quanto: R$ 60 (248 págs.)
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