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Sociólogo espanhol defende que a "alegria da comunicação interativa" é um modo de lutar contra a morte
Os tentáculos iluministas da Web
Teixeira Coelho
especial para a Folha
Ambiciosa sociologia feita em cima
do fato, "A Era da Informação -Economia, Sociedade e Cultura" traz um
perfil deste fim de século, milênio e era
discutindo -nos volumes "A Sociedade
em Rede", "O Poder da Identidade" e
"Fim de Milênio"- um novo paradigma social, o informacionalismo, do qual
resultariam uma nova estrutura social
dominante, a sociedade em rede (e rede é
o conjunto de nós interconectados em
tempo real); uma nova economia, a informacional global, e uma nova cultura,
a cultura da virtualidade real.
É um largo tratado que estuda um momento complexo por meio de temas como a economia unificada, o trabalho e o
trabalhador "flexibilizados", o tempo intemporal, os fundamentalismos, o movimento verde, a liberação sexual, as novas
identidades, o Estado sem poder, o fim
da URSS, a nova Europa, Chiapas, o
"surfing" na Web e a nova China.
Nada de muito novo, à primeira vista.
A sociedade em rede tem pelo menos
cinco séculos: na Renascença os banqueiros já teciam sua rede financeira florescente, e os artistas -isso não se costuma destacar- logo armariam outra,
sólida e influente, por meio do barroco,primeiro estilo internacional, se não
global. E a rede ferroviária da Europa iniciada no século 19 teve vasta repercussão
social. Sem citar esses casos, Castells reconhece que a rede existiu em outros
tempos e espaços. Mas agora a tecnologia da informação seria a base para uma
rede que tudo alcança no mundo todo. E
nada de muito novo, ainda, porque vem
a impressão de já se ter lido tudo isso em
artigos no "The Economist", "The New
York Review of Books" ou Mais!.
Visão não-catastrofista
O interesse da obra está, de fato, no modo como
diz e no ponto a partir do qual diz. Fazendo amplo uso de relatórios, artigos de
imprensa e noticiários de TV (fontes privilegiadas do novo conhecimento), Castells procura dar uma visão unificada e
não-catastrofista (não muito, enfim) da
época. Não vê esse fim de milênio como
o fim da história, em versão rósea (a humanidade reconciliada) ou trágica ("não
há saída"). Reconhece que este é, antes, o
começo da história, uma nova história
na qual o "sonho do Iluminismo está ao
alcance".
A "alegria da comunicação interativa",
a possibilidade de produzir mais e melhor com menos esforço, a luta vitoriosa
contra a morte são pontos positivos do
informacionalismo. Mas Castells não é
cego e lembra a exclusão, desse cenário,
de parcelas enormes da humanidade. E
preocupa-se com a economia (eu diria: a
cultura) do crime global,
que inverte um problema
clássico: não se trata mais
de excluir o crime da sociedade, mas de impedir
que o crime inclua a sociedade toda em seu campo.
Um ponto importante
em Castells: a cultura não
é vista como reflexo da
economia. Tratando da cultura, aliás,
afasta-se de outros ensaístas e rejeita
-em parte- o chavão do virtual. Aceita
que a idéia de uma cultura virtual ou do
simulacro é vazia.
Tem razão: se for para usar esse termo,
a realidade sempre foi virtual, porque
nunca percebida e vivida, a não ser por
meio de sistemas simbólicos.
Virtualidade real
Mas, rejeitando a
idéia publicitária da "realidade virtual", Castells
embarca em proposta não
menos problemática: a de
uma cultura da virtualidade real. O jogo de palavras tem seu efeito acadêmico, mas não faz avançar nada. O novo rótulo se
explicaria porque agora a
realidade seria toda captada por imagens
virtuais no mundo do "faz de conta", de
modo que as aparências se transformariam na experiência. Melhor deixar tudo
isso de lado. Uma comunidade "virtual"
de pessoas unidas pelo e-mail, na Web,
não é menos real que qualquer outra.
Sempre vivemos largamente no "virtual". Leia-se em Baudelaire sobre o sentimento gostoso de se sentir sozinho no
meio da multidão e ao mesmo tempo, e
por isso mesmo, com ela virtualmente
"linkado" na cidade moderna. Vivemos
virtualidades, sempre fomos virtuais -o
que nunca nos impediu de sermos reais.
Pós-moderno ausente
Seus pontos sobre a nova cultura estão entre os
mais interessantes, embora nem sempre
despidos de problemas. Mais uma vez a
sociologia, mesmo esclarecida, tem dificuldades para compreender o jogo da arte: Castells não entende e, portanto, rejeita o pós-moderno na arquitetura, numa
posição menos isenta de preconceitos
teóricos do que diz assumir.
E isso chama a atenção para a minúscula presença, em seu texto, da América
Latina e do pensamento latino-americano sobre a América Latina. Castells cita o
casal Cardoso, mas não,
por exemplo, Nestor Garcia Canclini e suas sensíveis idéias sobre a cultura
nesta etapa da América
Latina. Nosso lote nesse
latifúndio será maior do que aquele enxergado por Manuel Castells.
A era da informação, obra mais rica e
complexa do que esse comentário pode
mostrar, expõe de modo direto e claro
assuntos que não são nem uma coisa
nem outra. O gosto final da leitura é um
tanto amargo, embora mais suave do
que em outros autores: Castells oscila entre o desespero e a esperança, mesmo
oferecendo mais evidências daquele do
que desta. Mas muitas passagens são animadoras -como no final, quando rejeita a prática política feita com teorias sociais ou ideologias. Chega de "maîtres à
penser", diz. Ele mesmo não é um. É a
coisa certa a dizer num momento em
que a história começa. De novo.
A Era da Informação
Vol. 1 (R$ 49), vol. 2 (R$ 42) e
vol. 3 (R$ 40)
de Manuel Castells
Paz e Terra (r. do Triunfo, 177,
CEP 01212-010, SP, tel. 0/xx/
11/223-6522).
Teixeira Coelho é ensaísta, escritor e diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC-SP), autor, entre
outros, de "Niemeyer - Um Romance".
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