São Paulo, Domingo, 30 de Janeiro de 2000


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Sociólogo espanhol defende que a "alegria da comunicação interativa" é um modo de lutar contra a morte
Os tentáculos iluministas da Web

Teixeira Coelho
especial para a Folha

Ambiciosa sociologia feita em cima do fato, "A Era da Informação -Economia, Sociedade e Cultura" traz um perfil deste fim de século, milênio e era discutindo -nos volumes "A Sociedade em Rede", "O Poder da Identidade" e "Fim de Milênio"- um novo paradigma social, o informacionalismo, do qual resultariam uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede (e rede é o conjunto de nós interconectados em tempo real); uma nova economia, a informacional global, e uma nova cultura, a cultura da virtualidade real. É um largo tratado que estuda um momento complexo por meio de temas como a economia unificada, o trabalho e o trabalhador "flexibilizados", o tempo intemporal, os fundamentalismos, o movimento verde, a liberação sexual, as novas identidades, o Estado sem poder, o fim da URSS, a nova Europa, Chiapas, o "surfing" na Web e a nova China. Nada de muito novo, à primeira vista. A sociedade em rede tem pelo menos cinco séculos: na Renascença os banqueiros já teciam sua rede financeira florescente, e os artistas -isso não se costuma destacar- logo armariam outra, sólida e influente, por meio do barroco,primeiro estilo internacional, se não global. E a rede ferroviária da Europa iniciada no século 19 teve vasta repercussão social. Sem citar esses casos, Castells reconhece que a rede existiu em outros tempos e espaços. Mas agora a tecnologia da informação seria a base para uma rede que tudo alcança no mundo todo. E nada de muito novo, ainda, porque vem a impressão de já se ter lido tudo isso em artigos no "The Economist", "The New York Review of Books" ou Mais!.

Visão não-catastrofista
O interesse da obra está, de fato, no modo como diz e no ponto a partir do qual diz. Fazendo amplo uso de relatórios, artigos de imprensa e noticiários de TV (fontes privilegiadas do novo conhecimento), Castells procura dar uma visão unificada e não-catastrofista (não muito, enfim) da época. Não vê esse fim de milênio como o fim da história, em versão rósea (a humanidade reconciliada) ou trágica ("não há saída"). Reconhece que este é, antes, o começo da história, uma nova história na qual o "sonho do Iluminismo está ao alcance". A "alegria da comunicação interativa", a possibilidade de produzir mais e melhor com menos esforço, a luta vitoriosa contra a morte são pontos positivos do informacionalismo. Mas Castells não é cego e lembra a exclusão, desse cenário, de parcelas enormes da humanidade. E preocupa-se com a economia (eu diria: a cultura) do crime global, que inverte um problema clássico: não se trata mais de excluir o crime da sociedade, mas de impedir que o crime inclua a sociedade toda em seu campo. Um ponto importante em Castells: a cultura não é vista como reflexo da economia. Tratando da cultura, aliás, afasta-se de outros ensaístas e rejeita -em parte- o chavão do virtual. Aceita que a idéia de uma cultura virtual ou do simulacro é vazia. Tem razão: se for para usar esse termo, a realidade sempre foi virtual, porque nunca percebida e vivida, a não ser por meio de sistemas simbólicos.

Virtualidade real
Mas, rejeitando a idéia publicitária da "realidade virtual", Castells embarca em proposta não menos problemática: a de uma cultura da virtualidade real. O jogo de palavras tem seu efeito acadêmico, mas não faz avançar nada. O novo rótulo se explicaria porque agora a realidade seria toda captada por imagens virtuais no mundo do "faz de conta", de modo que as aparências se transformariam na experiência. Melhor deixar tudo isso de lado. Uma comunidade "virtual" de pessoas unidas pelo e-mail, na Web, não é menos real que qualquer outra. Sempre vivemos largamente no "virtual". Leia-se em Baudelaire sobre o sentimento gostoso de se sentir sozinho no meio da multidão e ao mesmo tempo, e por isso mesmo, com ela virtualmente "linkado" na cidade moderna. Vivemos virtualidades, sempre fomos virtuais -o que nunca nos impediu de sermos reais.

Pós-moderno ausente
Seus pontos sobre a nova cultura estão entre os mais interessantes, embora nem sempre despidos de problemas. Mais uma vez a sociologia, mesmo esclarecida, tem dificuldades para compreender o jogo da arte: Castells não entende e, portanto, rejeita o pós-moderno na arquitetura, numa posição menos isenta de preconceitos teóricos do que diz assumir.
E isso chama a atenção para a minúscula presença, em seu texto, da América Latina e do pensamento latino-americano sobre a América Latina. Castells cita o casal Cardoso, mas não, por exemplo, Nestor Garcia Canclini e suas sensíveis idéias sobre a cultura nesta etapa da América Latina. Nosso lote nesse latifúndio será maior do que aquele enxergado por Manuel Castells.
A era da informação, obra mais rica e complexa do que esse comentário pode mostrar, expõe de modo direto e claro assuntos que não são nem uma coisa nem outra. O gosto final da leitura é um tanto amargo, embora mais suave do que em outros autores: Castells oscila entre o desespero e a esperança, mesmo oferecendo mais evidências daquele do que desta. Mas muitas passagens são animadoras -como no final, quando rejeita a prática política feita com teorias sociais ou ideologias. Chega de "maîtres à penser", diz. Ele mesmo não é um. É a coisa certa a dizer num momento em que a história começa. De novo.



A Era da Informação
Vol. 1 (R$ 49), vol. 2 (R$ 42) e vol. 3 (R$ 40) de Manuel Castells
Paz e Terra (r. do Triunfo, 177, CEP 01212-010, SP, tel. 0/xx/ 11/223-6522).



Teixeira Coelho é ensaísta, escritor e diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC-SP), autor, entre outros, de "Niemeyer - Um Romance".

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