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Ponto de fuga
O corpo no centro
Jorge Coli
especial para a Folha
A mostra foi encerrada no museu
Guggenheim, de NY. Encaminha-se
agora para o de Bilbao. É uma consagração. O pintor ítalo-americano
Francesco Clemente, com menos de
50 anos, vê-se coroado por essa retrospectiva digna dos maiores. Uma
carreira fulminante, desde novembro
de 1979, propulsada na "Transavanguardia", movimento inventado por
Bonito Oliva que assinalava a crise das
tradições modernas e estimulava uma
volta a francas práticas picturais.
Clemente concentrou-se no corpo
humano, tratado pelo contorno, sem
os relevos da anatomia, em economia
de linhas, num manejo seguro. Corpo
expandindo-se por símbolos cabalísticos vindos do Ocidente e Oriente,
até significações cósmicas. Ou concentrando-se na violência e no erotismo, que explodem, intensos, nos limites mais reduzidos do papel. Dentro dessa coerência, Clemente renova
o gênero antiquíssimo do retrato, gênero de grande peso em sua obra, não
muito comum entre os artistas modernos. São insistentes rostos, sobretudo de mulheres, medusas hipnóticas de imensos olhos abertos. Em
quadros maiores, as relações com o
feminino instalam confrontos de violenta agressão, em claro aceno ao surrealismo. Tudo ocorre na facilidade
das cores, dos brilhos, das matérias,
que parecem unir luxo barroco e luxo
asiático. Um mundo de angústias
suntuosas. Nas imagens de si próprio,
lateja um narcisismo doloroso, cujo
apogeu está numa obra-chave, o "Auto-Retrato em Lágrimas".
Cadáver - "The Talented Mr. Ripley" não é tão interminável e fastidioso quanto "O Paciente Inglês",
ambos de Anthony Minghella. Mas
aquilo que, no livro original de Patricia Highsmith, é uma busca de natureza ontológica, deslocando-se, incessante, entre a identidade e a culpa,
transforma-se, aqui, numa espécie de
"soap opera" em superprodução.
O filme parece destinar-se a alimentar o imaginário de uma certa classe
média com pretensões fantasiosas a
cultura e requinte. O pano de fundo é
uma Itália turística que tenta reconstituir a época "dolce vita" por meio de
clichês. Multiplicam-se os preconceitos: no filme, Ripley gosta de Bach e
chora durante uma ópera, sinais indiscutíveis de um personagem gay,
psicótico e sem escrúpulos, que se
transforma em assassino. Todas as incertezas alucinadas do texto foram
traduzidas em uma psicologia mecânica e simplificada. Mais vale voltar
correndo para "Plein Soleil", de René
Clement, onde Alain Delon e Maurice
Ronet respiram uma atmosfera saturada de deliquescência; para "O Amigo Americano", de Wim Wenders;
ou, melhor, para os romances insuperáveis de Patricia Highsmith.
Ferida - Há 15 anos que "Tristão e
Isolda", de Richard Wagner, não era
apresentada na Met, em NY. A recente produção adquiriu, por causa disso, proporções de um acontecimento.
Dieter Dorn, diretor de teatro que
criara um mágico "Navio Fantasma",
em Bayreuth, onde a casa de Senta flutuava e rodava nos ares, concebeu
aqui uma versão austera, no entanto
sugestiva e poética. Nada muito ousado; esse pouco bastou, porém, para
provocar a ira de um público conservador que vaiou a montagem no final.
Batuta - Naxos lança um álbum de
dois CDs: são trechos de "Parsifal",
interpretados em 1913, 1927 e 1928. Os
mais antigos, dirigidos por Alfred
Hertz, com a Filarmônica de Berlim,
vencem os limites técnicos das gravações acústicas, demonstrando, nos
metais, uma autoridade que paralisa.
Os mais recentes, gravados já por processo elétrico, revelam a regência do
mítico maestro Karl Muck. O desenho do fraseado é uma linha de nitidez contínua e obsessiva, à volta da
qual vibra, frágil, a transparência dos
sons.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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