São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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As novas relações humanas

"Metamorfoses da Parentalidade", de Maurice Godelier, rebate teses de Freud e Lévi-Strauss sobre família e sexualidade

NICOLE LAPIERRE
DO "LE MONDE"

A morte anunciada da família (por alguns como um perigo e por outros como uma libertação) não é novidade, mas na verdade ela se transforma, mais do que sucumbe. Seus contornos, assim como os do casal, mudaram profundamente em nossas sociedades nos últimos 30 anos, e a própria idéia de filiação é posta em questão pelos avanços da biologia e das novas tecnologias reprodutivas.
Ao mesmo tempo, os casais homossexuais, ao reivindicar status legal e, para alguns, o direito de ter filhos por adoção ou inseminação, abalam as concepções habituais de casal e parentalidade. Diante dessas convulsões e das interrogações que essas questões provocam, a antropologia tem muito a nos ensinar sobre nossa modernidade.


Ele nega que nossos ancestrais tenham promiscuidade sexual


É o que mostra magistralmente Maurice Godelier nessa obra prolífica que é "Métamorphoses de la Parenté" [Metamorfoses da Parentalidade], ao mesmo tempo um resumo, revisitando o saber acumulado pelo conjunto das sociedades conhecidas, um trabalho de antropologia crítica sobre o estudo da parentalidade e uma reflexão sobre as questões com que nos defrontamos hoje.
Godelier nos conduz primeiro aos "baruya" das terras altas da Papua-Nova Guiné, onde ele começou a pesquisar em 1967, pouco depois da chegada dos primeiros brancos, em 1951. Depois, nos leva a uma viagem imensa através de lugares, épocas e sociedades para comparar formas de aliança e união, os modos de organização da descendência e filiação, modos de pensar o que é um filho e modos de ver a sexualidade.

"Big bang" antropológico
Dotado de uma erudição que passa pela primatologia, Godelier revê teorias célebres. Assim, refuta a hipótese segundo a qual nossos ancestrais teriam, num passado longínquo, vivido em bandos (para Freud) ou em famílias biológicas isoladas (para Lévi-Strauss), em completa promiscuidade sexual, até que uma espécie de "big bang" (assassinato do pai ou acesso à linguagem e ao pensamento simbólico) os teria arrancado da animalidade, fazendo-os passar da natureza à cultura, instaurando a proibição do incesto.
Ele também contesta, munido de exemplos, a tese de Lévi-Strauss segundo a qual a troca de mulheres pelos homens seria a base universal de todos os sistemas de parentalidade (e, também por meio dela, da dominação masculina). Finalmente, Godelier reexamina o axioma da antropologia social segundo o qual a parentalidade é a base das sociedades, mostrando que "outras realidades -materiais, políticas, religiosas- estão alojadas no interior das relações de parentalidade", que se reproduzem ou se metamorfoseiam ao mesmo tempo que elas.
Evidentemente, não estamos no fim dessas metamorfoses. Constatando que hoje a homoparentalidade existe e só pode se ampliar com a multiplicação das famílias gays ou lésbicas, Godelier convida a reconhecer o movimento e a "acompanhá-lo socialmente, para que ele adquira estruturas e limites jurídicos aceitáveis pelos homossexuais e pela sociedade". Agora cabe aos antropólogos contemporâneos estudar essas novas formas de parentalidade.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Métamorphoses de la Parenté
680 págs., 30 euros (R$ 105,00) de Maurice Godelier. Ed. Fayard (França).


Onde encomendar
Livros em francês podem ser encomendados, em SP, na livraria Francesa (0/xx/11/ 3231-4555) ou no site www.alapage.com



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