São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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A TERAPIA DE WITTGENSTEIN

Bento Prado Neto
especial para a Folha

O leitor brasileiro dispõe, hoje, de variada bibliografia acerca de Wittgenstein, de livros introdutórios a comentários mais especializados (a própria tradução do "Tractatus" pela Edusp já brinda o leitor com uma belíssima introdução a essa obra). Os quatro wittgensteins aqui listados vêm, assim, menos preencher uma lacuna do que diversificar as opções de acesso à obra desse autor. São todos livros introdutórios, que se endereçam em maior ou menor grau ao leitor não especializado.
O "Wittgenstein em 90 Minutos", que se pretende "irreverente e curioso", nos dizeres da quarta capa, é muito fraco e dispensa comentários. Os três restantes divergem no modo pelo qual enfrentam a dificuldade básica de uma apresentação "da filosofia de Wittgenstein": temos "duas" filosofias de Wittgenstein, uma encarnada pelo "Tractatus" (a obra de juventude) e a outra pelas "Investigações Filosóficas" (obra de maturidade e crítica radical da primeira), e cabe então saber que peso deve ser atribuído a cada uma delas na exposição.
O livro de Grayling é o mais equânime. Após uma breve biografia (parece irresistível, numa apresentação da filosofia de Wittgenstein, evocar a personalidade extravagante do filósofo), o restante do livro é dividido eqüitativamente entre as exposições do "Tractatus" e das "Investigações". As duas exposições têm aproximadamente o mesmo andamento: uma explicação simples e acessível da obra, seguida de uma reflexão crítica que acaba se revelando um tanto simplista, para não dizer simplória (algo semelhante pode ser dito de sua exposição do "Tractatus").
O livro de Schmitz, por sua vez, privilegia claramente o "Tractatus". Após a famigerada biografia, dois terços do restante do livro são dedicados à primeira obra. A apresentação do "Tractatus" é precedida por uma exposição didática do "pano de fundo" dessa obra, a saber, a idéia de lógica, a história dessa disciplina e as questões filosóficas que ela suscita. Esse é o fio condutor que Schmitz propõe para entender não apenas o "Tractatus", mas também a "segunda filosofia" de Wittgenstein, que nos é apresentada na forma de uma procura de soluções para as deficiências da concepção de "lógica" da primeira filosofia.
Finalmente, o pequeno livro de Hacker opta pelo "segundo Wittgenstein" e de forma mais drástica. Dessa vez, não há nem biografia nem menção ao "Tractatus": o leitor é introduzido diretamente na "concepção radical" de filosofia sustentada por Wittgenstein como "terapia conceitual", e, a seguir, essa concepção é exemplificada pelo tratamento que oferece às "principais questões da filosofia da mente" (pág. 18). Os "exemplos" escolhidos nada têm de inocente: ao percorrê-los, é o próprio nervo das "Investigações Filosóficas" que o autor pretende nos fazer apreender.
Os dois últimos livros são obras de dois comentadores "profissionais" de Wittgenstein, mas voltadas para um público não-especializado. É claro que movimentam interpretações determinadas e que simplificam em alguma medida, mas fazem-no de caso pensado e de forma hábil. E, caso nada se perdesse da filosofia de Wittgenstein numa breve exposição, isso talvez depusesse menos a favor do expositor do que contra o filósofo.


Bento Prado Neto é professor na Universidade Federal de São Carlos e autor de "Fenomenologia em Wittgenstein" (editora UFRJ).

OS LIVROS
Wittgenstein (coleção "Mestres do Pensar"), de A.C. Grayling. Trad. Milton Camargo Mota. Ed. Loyola (r. 1.822, 347, CEP 04216-000, SP, tel. 0/ xx/11/ 6914-1922). 157 págs., R$ 12,10
Wittgenstein (coleção "Grandes Filósofos"), de P.M.S. Hacker. Trad. João Vergílio Gallerani Cuter. Editora da Unesp. 61 págs., R$ 10,00
Wittgenstein em 90 Minutos (coleção "Filósofos em 90 Minutos"), de Paul Strathern. Trad. Maria Helena Geordane. Jorge Zahar. 69 págs., R$ 14,00
Wittgenstein (coleção "Figuras do Saber"), de François Schmitz. Trad. José Oscar de Almeida Marques. Ed. Estação Liberdade. 183 págs., R$ 25,00


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