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Oito questões sobre Kafka
NELSON ASCHER
especial para a Folha
1. Quem influenciou Kafka diretamente?
Além dos precursores que Jorge
Luis Borges enumera, enfatizando
que cada autor cria os seus próprios, a crítica especializada detém-se cada vez mais sobre a obra
do contista e romancista suíço Robert Walser (1878-1956), que, depois de enlouquecer em 1929, passou o resto da vida num hospital
para doentes mentais.
2. Há algum contemporâneo que tenha sido seu parente espiritual?
O judeu polonês Bruno Schulz
(1893-1942), que publicou duas
pequenas coletâneas de contos e
foi morto por um soldado nazista.
3. Quem não gostava de Kafka?
De importante, só o crítico americano Edmund Wilson que, num
ensaio chamado "Uma Opinião
Dissidente sobre Kafka", considera-o "barbaramente supervalorizado" e acrescenta, a respeito de
"O Processo" e "O Castelo",
que seriam obras "nunca terminadas e realmente nunca trabalhadas de todo"; e diz também, sobre
seus temas, que "haviam sido desenvolvidos com tão pouco rigor,
que Max Brod, quando resolveu
editá-los, não encontrou nada
além de uma série indefinida de
episódios, que teve de organizar
do melhor modo que pôde, embora nem sempre fosse capaz de dizer precisamente em que ordem
deveriam ser colocados".
4. Quais os principais admiradores de Kafka?
São incontáveis, mas convém
mencionar o crítico alemão Walter Benjamin; o escritor russo exilado Vladimir Nabokov; o pensador búlgaro de expressão alemã
Elias Canetti; e o escritor argentino Jorge Luis Borges, que não apenas escreveu um dos melhores ensaios sobre ele, "Kafka e seus Precursores", como também traduziu para o espanhol "A Metamorfose". Como que respondendo a
Edmund Wilson, o argentino observou: "A crítica deplora que nos
três romances de Kafka faltem
muitos capítulos intermediários,
mas reconhece que esses capítulos
não são imprescindíveis. Eu tenho
para mim que essa reclamação indica um desconhecimento essencial da arte de Kafka. O "pathos"
destes "inconclusos" romances
nasce precisamente do número infinito de obstáculos que detêm e
voltam a deter os seus heróis idênticos. Franz Kafka não os terminou porque o primordial era que
fossem intermináveis. Lembram-se do primeiro e mais claro
dentre os paradoxos de Zenão? O
movimento é impossível, pois antes de chegar a C deveremos cruzar
o ponto intermediário D, porém
antes de chegar a D... O grego não
enumera todos os pontos, Franz
Kafka não tem por que enumerar
todas as vicissitudes. Baste-nos
compreender que são infinitas como o inferno".
5. O que achava das mulheres?
Dizia que "elas apenas observam se estão agradando, em seguida, se estão causando pena e, finalmente, se você está em busca
da compaixão delas. Isso é tudo; a
bem pensar, pode até ser suficiente em termos gerais".
6. Qual o principal lugar-comum
a seu respeito?
Sua obra teria antecipado ou
profetizado o Holocausto, mas a
verdade é que até o ponto em que
se pode traçar um paralelo entre
seus escritos e uma situação política real, este paralelo tem mais cabimento se for feito com os expurgos e o terror soviéticos.
7. O que é que melhor caracteriza Kafka como um escritor arquetípica e paradigmaticamente
centro-europeu?
A dupla letra "K" do seu sobrenome. A monarquia austro-húngara na qual nasceu definia-se como "imperial e real", pois seu soberano detinha, além de muitos
outros, os títulos de imperador
("Kaiser") e de rei ("Koenig").
"Imperial e real" em alemão é
"Kaiserlich und Koeniglich", e
um outro escritor da região, Robert Musil, batizou satiricamente
a monarquia de Kakânia. Muitos
dos melhores escritores poloneses, tchecos, húngaros e iugoslavos têm o sobrenome começado
com a letra "K".
8. Kafka era kafkiano?
Assim como Cristo era cristão,
Marx marxista e Freud freudiano.
TRADUÇÕES NO BRASIL
"Um Artista da Fome/A Construção" (R$ 14,50); "Carta ao Pai" (R$ 11,50);
"Um Médico Rural" (R$ 14,00); "A Metamorfose" (R$ 12,50); "O Processo"
(R$ 19,00); "O Veredicto e Na Colônia Penal" (R$ 13,00).
Todos os livros acima foram traduzidos pelo escritor e ensaísta
Modesto Carone e editados pela Companhia das Letras (tel.
011/866-0801).
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