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+ arte
Bob Wilson fala de sua montagem futurista da "Tetralogia do Anel", de Wagner
Uma ópera galáctica
ERIC DAHAN
Poucas horas antes de mostrar
sua "Valquíria", no teatro do
Châtelet, em Paris, o diretor
norte-americano, revelado na
França em 1970 com o magnífico
"Olhar do Surdo", aclamado por seu
"Einstein on the Beach" ou o "Orlando" que montou com Isabelle
Huppert, explica sua relação com
Richard Wagner (1813-83) e também sua montagem de "Anel dos
Nibelungos" -composto de "O Ouro do Reno", "A Valquíria", "Siegfried" e "O Crepúsculo dos Deuses".
Pergunta - Seu "Anel" começa de
maneira muito prosaica, quase como
uma "space opera"...
Bob Wilson - Eu tentei sair da mitologia alemã. Baudelaire, quando viu
"Tannhäuser" em Paris, em 1856, escreveu que havia vivido uma experiência inédita de tempo, de espaço e
de luz. Vejo aí a confirmação de minha abordagem do "Anel", tão fiel
ao ideal wagneriano quanto a
"Guerra nas Estrelas". É como olhar
através da escotilha de uma nave espacial, esquecer todo o espaço do
mundo, deixar-se envolver por essa
música que imprime seu tempo e espaço próprios.
As encenações tendem a saturar o
espaço de movimentos, e eu tento
reduzi-los. Muitas vezes me sinto incomodado pelo caráter ilustrativo e
redundante de uma tradição que faz
Brünehilde atuar com histeria e agitação, escondendo imediatamente o
poder de seu canto de gelo e fogo.
Wagner era sem dúvida uma espécie de Cecil B. De Mille [1881-1959,
diretor de "Os Dez Mandamentos"],
mas exigia que sua música fosse tratada com nobreza. É um sentimento
que também me domina quando escuto o "Anel".
Pergunta - O senhor não faz uma leitura muito política do "Anel". Ele tem
um verdadeiro significado para o sr.?
Wilson - Podemos dizer que "O
Ouro do Reno" é uma história de dinheiro e de concupiscência, de capitalismo, de revolução industrial.
Mas também podemos esquecer tudo isso, que é apenas um aspecto das
coisas, e escutar nele mil outras. Recusar a ancoragem histórica é abastecer a ópera e suas histórias de tempo, tanto o de um ritual de 2.000
anos quanto o de um drama do futuro galáctico.
Para traduzir isso com os cantores,
é preciso criar um estado de tensão e
de escuta total. Em Wagner há momentos de silêncio e de calma. Ezra
Pound [1885-1972] disse: "A quarta
dimensão é imobilidade e poder sobre a fera selvagem".
Quando montei "A Doença da
Morte", de Marguerite Duras, há alguns anos, num fim de tarde, depois
dos últimos ensaios, fui ao zoológico. Ele estava quase fechando, mas
durante alguns minutos pude ver
um grupo de lobos cinza-azulados,
imóveis sobre uma rocha. Eles não
olhavam na minha direção, mas eu
senti que estavam conscientes de
minha presença e escutavam esse silêncio com um ouvido. Foi muito
impressionante, uma experiência de
escuta total.
Quando vou à ópera, muitas vezes
tenho a impressão de que ninguém
se escuta no palco -e de repente
não ouço nada. A não ser que eu feche os olhos. Os espectadores deveriam fechar os olhos diante de minha encenação!
Pergunta - Todos os seus espetáculos, mesmo os não-líricos, se baseiam
na ópera como "obra de arte total",
segundo Wagner. O que acontece
quando aborda o "Anel", "obra de arte total" por excelência?
Wilson - Vejo aí uma oportunidade
de trabalhar com a luz, pois sem luz
não há espaço. A luz é o elemento-chave para escutar e ver. A religião e
a política dividem e reduzem a visão.
Quando montei "Parsifal", tentei suprimir qualquer referência ao cristianismo enquanto imitação de um
Santo Graal à moda de Las Vegas.
Na época em que compôs "Parsifal", Wagner se interessava muito
pelo budismo; portanto, montar o
"Anel" como um conto alemão é reduzir sua universalidade.
Pergunta - Por que essa desconfiança do político?
Wilson - Quando comecei, algumas
vezes exprimi minha consciência social e política em espetáculos como
"A Letter for Queen Victoria" [Uma
Carta para a Rainha Victoria]. Coloquei em cena Christopher Knowles,
um rapaz negro que havia passado
18 anos de sua vida encerrado no autismo. Mas, em vez de tirar partido
dramático de sua história, como fez
o filme "Rain Man", eu quis travar
um diálogo com ele.
Pergunta - Um diálogo feito de gesticulações e de gritos...
Wilson - Todos os meus espetáculos são diferentes, embora as pessoas
nem sempre vejam isso. Não utilizo
as mesmas combinações de espaços
e cores em "Time Rocker", com Lou
Reed, no "Conto de Inverno", de
Shakespeare, e no "Anel".
Em cada uma das vezes, eu primeiro elimino qualquer referência anterior. Para o "Anel", busquei a paleta
justa, tentei traçar uma linha contínua durante 16 horas e fazer esquecer -apenas com a luz- que ele foi
composto no século 19. Para mim, o
"Anel" é principalmente o futuro.
Esta entrevista foi publicada no "Libération".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
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