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Sinal vermelho
Discípulo
de Lacan,
Éric Laurent ataca a medicalização excessiva, mas adverte que a psicanálise precisa estar atenta às mudanças
do século 21
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FABIOLA RAMON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS
Um dos principais
nomes da psicanálise mundial, o
francês Éric Laurent, discípulo direto de Jacques Lacan (1901-81), defende que o método criado por Freud "é um discurso de
crise, não de conformismo".
Por isso, ao contrário do que
dizem seus detratores, ele está
vivo, contrapondo-se à febre
dos medicamentos tarja preta e
pode ajudar os indivíduos a
atravessar o atual momento de
instabilidade por que passa o
mundo.
Laurent, que participou da
fundação da Escola da Causa
Freudiana, em Paris, nos anos
1980, é autor de, entre outros,
"Sociedade do Sintoma" (ed.
Contracapa, 2007).
Nele denuncia o que chama
de "medicalização da existência", mas admite que um tratamento analítico de longa duração não é indicado para todos e
aponta a necessidade de a psicanálise estar atenta às transformações do século 21.
Leia a seguir a entrevista
concedida à Folha em seu consultório, em Paris.
FOLHA - A psicanálise ficou conhecida como um método longo e caro.
Em um mundo que demanda respostas rápidas e tratamentos breves, ela não está fadada ao fracasso?
ÉRIC LAURENT - Ela não estabelece prazos, é uma maneira de refletir sobre a vida e os impasses
da existência.
Após a Primeira Guerra, em
1918, percebendo que o conflito
havia arruinado a Europa,
Freud propôs a abertura de
centros psicanalíticos gratuitos. Concomitantemente, houve a disseminação da idéia de
que somente a burguesia podia
pagar uma análise.
Ainda hoje percebemos estes
dois movimentos: tratamentos
que se endereçam à classe média -quando se busca um psicanalista em um consultório, é
fácil encontrar um- e centros
de atendimento gratuitos -aos
quais as pessoas podem recorrer nos momentos de instabilidade dos laços sociais.
É preciso questionar a idéia
de que a psicanálise é um tratamento longo e caro. Ela é uma
aventura pessoal e deve ser vista como uma história de amor.
Assim é a psicanálise: a cura como aventura pessoal.
FOLHA - Muito se diz que a psicanálise está em crise. O que ela pode
oferecer, então?
LAURENT - A psicanálise pode
ser algo útil às pessoas decepcionadas com fabricantes e
vendedores de felicidade. A
única dignidade dela é estar em
crise desde sempre.
É um discurso de crise, e não
de conformismo, de conforto,
de tranqüilidade.
Estamos justamente atravessando a maior crise desde 1929,
na qual se revela a mentira da
civilização que nos dizia que tudo estava em ordem, que havia
governantes sábios que cuidavam de todos, que os mercados
permitiriam uma aposentadoria feliz.
São momentos nos quais a
angústia nos atravessa e nos remete a escolhas e a saber o que
nós queremos do mundo que
virá. O que queremos para
amanhã? O século 21 será apaixonante, sem dúvida tão terrível quanto os anteriores, mas,
visivelmente, de uma maneira
nova. E será necessário estar
atento a essas novidades.
A psicanálise deve ajudar a
compreendê-las.
FOLHA - Por que hoje há uma busca
imediata pela felicidade?
LAURENT - Todo mundo quer
ser feliz. Essa é uma demanda
que se tornou legítima após o
iluminismo, quando, contrariamente à religião, o próprio pensamento abriu a possibilidade
de uma felicidade terrestre, e
não somente uma salvação
eterna.
O primeiro Estado moderno,
os EUA, incluiu no início de sua
Constituição a busca da felicidade como um pedido legítimo.
No entanto conhecemos, ao
longo desses dois séculos, diferentes atitudes para entender
por que é que os humanos não a
encontram.
Uma delas é: "Porque as pessoas têm maus hábitos, vamos
mudar seus comportamentos",
abordagem difundida pelo
comportamentalismo desde
1950, com Skinner [psicólogo
norte-americano], que dizia
que a liberdade é um luxo que a
humanidade não pode ter, pois,
se as pessoas fazem o que querem, elas terão maus hábitos.
Isso aconteceu ao mesmo
tempo em que se realizava o comunismo, que queria mudar os
comportamentos e proporcionar a felicidade ao homem "novo". Ambos configuraram uma
gestão autoritária das atitudes
em nome do bem-estar.
Nos anos 1960, ao contrário,
houve uma liberação, as pessoas rejeitaram a servidão autoritária.
Atualmente, há retrocesso,
buscando mudar atitudes com
a volta da burocracia sanitária.
Donde a idéia da gestão de
populações: câmeras de vigilância, identidade biométrica
-isso é um sonho para um administrador. Com o melhor conhecimento e o mapeamento
da população, podemos enquadrar as pessoas em categorias
de gênero, idade, raça etc.
FOLHA - O que o sr. entende por
"medicalização da existência"?
LAURENT - Michel Foucault [filósofo francês] mostrou que a
medicina contemporânea trata
de populações. Ela não trata
mais um por um, como era no
século 19. Hoje, ela é "baseada
em evidências" e se fundamenta em estatísticas para produzir
categorias homogêneas.
Nesse modelo, é necessário
desconsiderar a particularidade dos casos, o que combina
com a medicalização de toda a
existência. Por exemplo, o
comportamento no trânsito, a
maneira de fumar, a forma do
amor, com sexo ou não.
São termos abordados como
problemas epidemiológicos: o
tabaco, a droga, a violência familiar etc.
Questões antes deixadas ao
sistema jurídico, até então tidas
como de ordem individual, são
agora apropriadas pela gestão
das populações e pela medicalização da existência.
FOLHA - E as doenças que crescem
cada vez mais, como a depressão,
por exemplo?
LAURENT - Desde que a medicina afirmou que 25% de pessoas
podem tornar-se deprimidas,
colocou-se um problema de
evolucionismo.
Como a espécie humana pode sobreviver e conservar uma
disposição fatal que faz com
que um quarto das pessoas possam ter algo que as deixe deprimidas?
Ou bem a categoria é muito
grande, ou temos um problema, o que mostra o limite dessa
abordagem.
FOLHA - O sr. acha que há um abuso de medicação?
LAURENT - As pesquisas realizadas pelos laboratórios farmacêuticos indicam efeitos formidáveis das medicações.
Por outro lado, estudos feitos
por sistemas de saúde mostram
que, na maior parte dos casos,
eles não são tão bons assim, como o do Instituto Nacional de
Saúde Mental (EUA), que, no
último estudo publicado, apresentou que os antidepressivos,
na maioria das vezes, eram
pouco superiores aos placebos.
Algumas vezes atingem objetivos contrários. Então, somos
obrigados a colocar uma tarja
preta na caixa alertando sobre
os riscos. Sabemos também que
os jovens que passam ao ato assassino nos EUA freqüentemente já foram medicados.
Os medicamentos estão em
todos os lugares, somos "a civilização da medicação". Se você
vai a Pequim ou a qualquer outra cidade verá que o corpo está
casado com eles nos aspectos
mais ordinários da vida [Viagra,
analgésicos, estimulantes etc.].
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