São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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+ trecho

Num desses dias, quando Miguel voltou para casa à tarde, mais cedo do que o esperado, encontrou a mãe sentada à mesa da cozinha.
[...] De início, ele fingiu não ter reparado nela e encheu um copo de água da torneira, mas, quando se virou, viu que ela estava abraçada a si mesma, balançando a cadeira para frente e para trás. Quando perguntou se estava bem, ela não olhou para o filho.
"Chame seu pai", disse.
Quando Miguel voltou com o pai, ela ainda se balançava na cadeira, como se fosse a única maneira de evitar que a dor, fosse qual fosse o motivo, a sufocasse. Ela não ergueu a vista.
"O que foi?", o pai perguntou.
"Você sabe o que foi", respondeu ela calmamente, recuando quando o pai ameaçou tocá-la.
"Foram vocês dois ou só você?", ela perguntou.
"Só eu", disse o pai.
"O que você fez?", perguntou Miguel.
"Jogou fora os garrafões de vinho que tinham acabado de ser entregues, esvaziou tudo", explicou ela.
A mãe continuou a se balançar para frente e para trás, como se não houvesse ninguém ali. Os dois estavam bem perto dela e Miguel reparou no olhar que o pai lhe deu, ambos sentindo pena, nervosos -o pai preocupado, no entender de Miguel, em ter dito demais e pronto para usar um tom mais suave com ela.
"Eu sinto muito", disse a mãe em voz baixa, "ter conhecido qualquer um de vocês". O tom era definitivo, decisivo.


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