São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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Identidade fraturada

Sociólogo ataca lei e diz que ela irá criar mártires e dificultar assimilação dos muçulmanos

CHRISTOPHE FORCARI

Para Vincent Geisser, sociólogo do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas (Paris) e especialista em islamismo, uma lei que proíba o uso da burca [e do niqab, vestimenta muçulmana que deixa só os olhos expostos] pode provocar grande recuo em termos de identidade.

 

PERGUNTA - A lei é a única resposta ao uso da burca?
VINCENT GEISSER
- Fica claro que, diferentemente do uso de um véu simples, o uso da burca se inscreve como parte de um fenômeno sectário e religioso. É aí que está o problema.
Muitos muçulmanos se opõem ao uso da burca. Mas esse debate, somado ao debate sobre identidade nacional, contribui para radicalizar as posições na porção mais moderada da comunidade de muçulmanos praticantes. Uma lei assim acarreta o risco de efeitos perversos, os quais teriam como consequência uma forma de vitimização ou de martírio.
Pode fazer com que pessoas que inicialmente rejeitavam o uso da burca venham a brandir os estandartes de uma identidade à parte.

PERGUNTA - Como combater o que pode parecer uma agressão aos princípios do Estado laico?
GEISSER
- O uso da burca não representa apenas uma agressão aos princípios do Estado laico, mas à interação social como um todo, não importa o país em que seja praticado. Ele é sintoma de uma identidade religiosa que faz com que as pessoas contraiam, como se fosse doença, uma certa forma de pureza de identidade. A comissão parlamentar deveria debater a questão dos sectarismos religiosos em seu todo. A lei acarreta o risco de agravamento da fratura de identidades e comunidades, e os legisladores deveriam, na verdade, tentar reduzir esses riscos. Os proponentes dessa lei são aprendizes de feiticeiro.

PERGUNTA - Como impedir desvios sectários e religiosos?
GEISSER
- Para começar, estamos falando de movimentos fortemente minoritários, mas que têm interesse em uma lei que permita que posem como mártires.
Eles dispõem de grande capacidade de influência, com alcance bem superior ao de seus círculos. Aproveitam-se dos pequenos traumas causados àquelas pessoas que se sentem, a um só tempo, muçulmanas e francesas.

Esta entrevista saiu no jornal "Libération".
Tradução de Paulo Migliacci.



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