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Identidade fraturada
Sociólogo ataca lei e diz que ela irá criar mártires e dificultar assimilação dos muçulmanos
CHRISTOPHE FORCARI
Para Vincent Geisser,
sociólogo do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas
(Paris) e especialista
em islamismo, uma lei que
proíba o uso da burca [e do niqab, vestimenta muçulmana
que deixa só os olhos expostos]
pode provocar grande recuo
em termos de identidade.
PERGUNTA - A lei é a única resposta
ao uso da burca?
VINCENT GEISSER - Fica claro que,
diferentemente do uso de um
véu simples, o uso da burca se
inscreve como parte de um fenômeno sectário e religioso. É
aí que está o problema.
Muitos muçulmanos se
opõem ao uso da burca. Mas esse debate, somado ao debate
sobre identidade nacional, contribui para radicalizar as posições na porção mais moderada
da comunidade de muçulmanos praticantes.
Uma lei assim acarreta o risco de efeitos perversos, os quais
teriam como consequência
uma forma de vitimização ou
de martírio.
Pode fazer com que pessoas
que inicialmente rejeitavam o
uso da burca venham a brandir
os estandartes de uma identidade à parte.
PERGUNTA - Como combater o que
pode parecer uma agressão aos
princípios do Estado laico?
GEISSER - O uso da burca não
representa apenas uma agressão aos princípios do Estado
laico, mas à interação social como um todo, não importa o país
em que seja praticado.
Ele é sintoma de uma identidade religiosa que faz com que
as pessoas contraiam, como se
fosse doença, uma certa forma
de pureza de identidade.
A comissão parlamentar deveria debater a questão dos sectarismos religiosos em seu todo. A lei acarreta o risco de
agravamento da fratura de
identidades e comunidades, e
os legisladores deveriam, na
verdade, tentar reduzir esses
riscos.
Os proponentes dessa lei são
aprendizes de feiticeiro.
PERGUNTA - Como impedir desvios
sectários e religiosos?
GEISSER - Para começar, estamos falando de movimentos
fortemente minoritários, mas
que têm interesse em uma lei
que permita que posem como
mártires.
Eles dispõem de grande capacidade de influência, com alcance bem superior ao de seus
círculos. Aproveitam-se dos pequenos traumas causados
àquelas pessoas que se sentem,
a um só tempo, muçulmanas e
francesas.
Esta entrevista saiu no jornal "Libération".
Tradução de Paulo Migliacci.
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