São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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Investimentos inconfessáveis

As lições do boi

Erro com investimento em gado fez empresário desistir de captar recursos para construtora na Bolsa

por CRISTIANE BARBIERI

Bois confinados na década de 1990 impediram que a Racional Engenharia fosse à Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) no ano passado. Evidentemente, a relação não é tão direta assim. Mas ela existe. Foi o aprendizado a partir de uma decisão equivocada, numa dessas febres que às vezes acometem o mercado, que levou Newton Simões Filho, 61, sócio da construtora, a buscar outras alternativas de crescimento que não o mercado de capitais.

O episódio começa no auge da era da diversificação, quando companhias avançavam por todos os segmentos nos quais houvesse possibilidades de crescimento, mesmo que completamente diferentes de sua área de atuação. Com o mercado de construção civil estagnado, Simões resolveu investir em gado. "Me apaixonei por pecuária intensiva, inventei modelos de criação, achei que estivesse descobrindo grandes novidades que os criadores não sabiam", conta. "Quando percebi, estava num buraco negro, que absorvia muito tempo e dinheiro. Assumi o risco de uma área que desconhecia e ia enterrar tudo nesse projeto."

O jeito foi passar a régua, assumir o prejuízo e voltar para a origem dos negócios de sua empresa. "Vendi o negócio de gado pela primeira proposta que tive e, se ganhei ou perdi, minha memória esqueceu", diz Simões Filho. "Não me arrependo, porque o aprendizado só acontece com a condição de confronto com as limitações."

Nos últimos anos, a febre ganhou outro nome. Chama-se IPO (oferta pública inicial, da sigla em inglês) e contaminou muitas construtoras brasileiras. Das 63 aberturas de capital que aconteceram em 2007, nada menos do que 20 foram feitas por construtoras, incorporadoras e administradoras de imóveis.

Apesar de ser maior e mais conhecida do que muitas delas, a Racional passou a vez. Muito em função da experiência vivida com a boiada, outro tanto por conta da área na qual atua. "Abrir capital iria satisfazer meu ego, mas não haveria consistência com o meu negócio", diz Simões Filho.

Isso porque o nicho de atuação da Racional, o de empreendimentos comerciais, é muito dependente dos ciclos de crescimento econômico. Empresas constróem indústrias, galpões e centros de distribuição apenas em épocas de forte expansão da economia. "Esses ciclos são incompatíveis com a demanda dos investidores em Bolsa", diz ele. "A cada dia é preciso dar resultados melhores do que os da véspera e não tenho como gerar notícia boa diariamente. Ia ficar empapelando resultado e desvirtuaria o foco do negócio."

Simões Filho preferiu buscar outras fontes de financiamento para os projetos "mesmo que não sejam tão charmosas e glamourosas quanto a Bolsa", para garantir o crescimento da Racional.

A escolha parece ter gerado resultados. No ano passado, a construtora faturou R$ 550 milhões, com crescimento de 60% sobre o ano anterior. Este ano, estão previstos mais 18% de aumento de receita e a dificuldade da empresa está em tentar fazer com que tal incremento seja controlado. "Tenho de limitar a carteira porque não tenho condições de atender a tantos pedidos", diz ele. "Não dá para sair montando equipes para crescer indefinidamente."

Após 36 anos de empresa, Simões afirma que aprendizados como esse não são únicos e nem acontecem no curto prazo. "Quem tem DNA para empreender tem de entender que não vai acertar todas", afirma. "Há o estereótipo do homem de sucesso que dificilmente erra, mas faz parte do empreendedorismo errar e construir o caldo de cultura que formará sua empresa."

Corrigir também faz parte do processo. Simões Filho conta que logo que começou a Racional, na década de 1970, a rotatividade na empresa era muito grande. Época de forte crescimento, todas às vezes que havia um problema numa das obras, a cabeça do responsável era cortada. "Resolvemos essa situação num analista, que fez uma dinâmica de grupo na empresa", diz ele. "Percebemos que a incompetência não era das pessoas, mas sim da própria companhia, que criava o bode expiatório para sofrer pelos pecados da tribo."

Segundo Simões Filho, muitas vezes o empreendedor usa a mesma estratégia para justificar seus erros. "Pode ser a inflação, os juros do Banco Central, a conjuntura, vale tudo para não cair na assunção da falha", afirma. "Para não assumir a incompetência do próprio empreendedor, que tem de ter a imagem de homem de sucesso. Mas, no fim das contas, a responsabilidade do empreendimento, seus acertos e erros, é do empreendedor."

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