São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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Orientação financeira

Turbulência à vista, imóvel a prazo

O mercado imobiliário torna-se opção para investidores assustados com os solavancos da Bolsa

por PAULA PACHECO


As oscilações no mercado de ações têm levado investidores avessos ao risco a considerar investimentos no setor imobiliário. É um típico movimento em direção a um porto seguro. Os imóveis estão entre as opções que, tradicionalmente, mais atraem o brasileiro que não quer colocar dinheiro em aplicações voláteis.

A oferta está ajudando: aumentam os lançamentos residenciais em praticamente todo o país, especialmente em grandes mercados, como Rio de Janeiro e São Paulo. E as condições financeiras também são favoráveis: há mais crédito, com maiores prazos. Assim, mesmo quem não tem recursos para pagar à vista pode comprar. O aluguel ou a eventual revenda talvez não seja o melhor negócio do mundo, mas esse investidor estará tranqüilo por saber que o imóvel não corre o risco de virar pó da noite para o dia.

É assim com Eduardo Botelho, 33, diretor de novos negócios da imobiliária paulista Coelho da Fonseca. Ele é dono de um apartamento, onde mora, no Itaim, zona sul de São Paulo. "Meu principal receio é o endividamento no longo prazo", diz ele. "Por isso paguei em parcelas até a entrega da chave e o restante eu quitei de uma vez." Se fosse vendê-lo, não teria do que se queixar. Em 2004, no lançamento do Arte Arquitetura, o metro quadrado valia R$ 4,6 mil. Hoje, menos de um ano após a entrega, o preço está em R$ 6,1 mil.

Botelho, que mantém parte de seus investimentos em ações, também tem um ponto comercial, herança de família, na rua Gabriel Monteiro da Silva, conhecida por concentrar lojas de decoração de alto padrão. A rentabilidade é de cerca de 1% ao mês. E pretende investir mais no mercado imobiliário, assim que se capitalizar e encontrar uma boa oportunidade.

Oportunidade, aliás, é o que não falta. No ano passado, o valor dos financiamentos quase dobrou, para R$ 18,2 bilhões, segundo o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. E as condições são tentadoras: dependendo da instituição financeira, é possível financiar 100% do valor em 30 anos.

"Nossa carteira de crédito imobiliário aumentou de R$ 1 bilhão, em 2006, para R$ 2 bilhões em 2007. Neste ano a previsão é chegar a R$ 3 bilhões", diz Mauro Adriano da Costa, superintendente de Crédito Imobiliário do Santander. O valor médio do financiamento está na faixa dos R$ 100 mil. "No Brasil, o crédito imobiliário equivale a 1,7% do PIB e neste ano a previsão é que chegue a 2,3%. No Chile a participação é de 15%, na Alemanha é de 50% e no Reino Unido chega a 80%", cita Luiz Antônio França, diretor de Crédito Imobiliário do Itaú.

Como a rentabilidade não é das melhores, a dica dos especialistas é diversificar a carteira de investimentos. O analista Felipe Cruz, da Argúcia Capital Management, especializada em administração de recursos, lembra que os imóveis representam um ativo fixo, imune às variações da economia. Porém, tem baixíssima liquidez. "Só sugiro para quem gosta de segurança extrema. Do contrário, ele pode ficar com a caderneta de poupança ou o DI, desde que preste atenção na taxa de administração. Sem deixar de observar um horizonte entre 12 e 24 meses", adverte.

A idéia de que imóvel é um investimento sólido vem dos tempos de inflação alta e economia instável. Naquela época, antes do Plano Real, nem era preciso fazer muita conta para concluir que investir em imóvel era vantajoso no longo prazo. Hoje, porém, o investimento requer mais cuidados. A valorização do imóvel parece aposta certa, e o ganho com aluguel é compatível com o obtido em aplicações conservadoras no mercado financeiro, ficando um pouco abaixo da caderneta de poupança, que no ano passado rendeu 7,7%.

Mas mesmo investimentos seguros são isentos de risco. "Rentabilidade de 6% ao ano? E se não alugar por seis meses? A rentabilidade vai para o espaço", lembra Cruz. De qualquer maneira, não é nos ganhos com o aluguel que os especialistas miram. A valorização do empreendimento pode ser um dos principais atrativos. Apesar de ser uma aposta cheia de variáveis, o que se vê até agora é um aumento do preço da propriedade. Em São Paulo, o metro quadrado por área total dos lançamentos deu um salto de R$ 724 em 1995 para R$ 1.806 em 2007, segundo a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp).

A maior facilidade para se conseguir crédito imobiliário, no entanto, deixou alguns donos de imóveis apreensivos. O receio é que, com a oferta abundante, o valor do aluguel encolha com o tempo. Para Luiz Paulo Pompéia, diretor da Embraesp, ainda há muitas pessoas que preferem deixar o dinheiro aplicado e pagar aluguel em busca de uma mobilidade que não é possível quando se é dono do próprio teto. No entanto, ele alerta para a possibilidade de super-oferta de imóveis de quatro dormitórios na cidade. Prova disso é que recentemente a Camargo Corrêa e a Gafisa suspenderam dois lançamentos, um no Brooklin e outro no Campo Belo (bairros da zona sul paulistana). Para quem ainda não se convenceu, basta lembrar o que aconteceu em São Paulo entre as décadas de 80 e 90, quando houve uma avalanche de lançamentos de flats. A grande quantidade de empreendimentos levou à baixa ocupação, queda de preço e baixa liquidez. Restou a muitos investidores tirar dinheiro do bolso para arcar com despesas como condomínio e taxa de administração.

Um exemplo de valorização foi o que aconteceu com o Grand Lofty, um residencial no Itaim. No lançamento, em 2002, o metro quadrado valia R$ 3,5 mil. No ano passado o preço era de R$ 7,5 mil. É uma exceção, é claro, mas mostra que em alguns casos há grande potencial. O principal motivo para tal valorização foi a falta de empreendimentos similares na região, segundo André Neuding, diretor da Stan, incorporadora especializada em alto padrão. "O grande mico para o investidor é comprar sem ter informação", afirma. "Ele precisa visitar os produtos para saber se, de fato, aquele empreendimento é diferenciado e quais são as chances de a região se valorizar."

Para Carlos Kapudjian, diretor de atendimento da imobiliária Lopes, o momento é bom porque há grande quantidade de lançamentos residenciais. Quanto aos comerciais, só devem ter a oferta normalizada em dois ou três anos, quando forem entregues os prédios lançados recentemente. Para o executivo, a melhor forma de pulverizar os riscos de comprar um imóvel é adquirir mais de uma unidade, ainda na planta, para não pesar no bolso. É preciso diversificar entre bairros e tipos de imóvel. Além disso, como há uma padronização dos lançamentos -normalmente quatro dormitórios com muitas opções de lazer-, Kapudjian sugere escolher o melhor deles para se diferenciar. Outra sugestão são os imóveis de um e dois dormitórios, voltados à classe C, que nos últimos tempos tem aumentado o poder aquisitivo. Ele recomenda que, no caso de compra de um usado em más condições de conservação, para reforma, se observe que esse é um negócio para quem entende.

Luciano Chain, 44, tornou-se um desses especialistas. Ele já perdeu as contas de quantos imóveis mal conservados comprou. Recentemente, fez negócio com um apartamento com três suítes, de 275 m2 em Higienópolis (zona sul de São Paulo). Chain comprou por R$ 580 mil, gastou R$ 273 mil com reformas e vendeu por R$ 950 mil. O lucro líquido foi de pouco mais de 10% e será usado como capital para a próxima reforma, uma casa na Vila Nova Conceição.

O trabalho leva em média seis meses. Para encontrar o imóvel, o investidor conta com cerca de 20 corretores, especializados na região dos Jardins e Higienópolis. Negócio fechado, entra a parte de projetos e execução da obra. Só aí são mais 12 pessoas, entre engenheiros, arquitetos, pedreiros e pintores. O projeto também pode incluir a parte de decoração. "Muita gente não tem tempo e paciência para acompanhar obra e depois correr atrás dos móveis. Isso ajuda na hora da venda porque o comprador busca facilidades", diz.

Em um ano Chain chega a fazer negócio com até três imóveis, sempre de alto padrão. Ele lamenta a dificuldade que tem para fazer planejamento financeiro. Tanto que todo dinheiro que ganhou até agora foi usado para reformas. Suas aplicações no banco são sempre no curto prazo para poder tirar o dinheiro para um novo imóvel assim que precisar. "É um negócio que exige muito recurso. Não faço nenhum tipo de financiamento para evitar me endividar. Agora meu objetivo é dentro de dois anos chegar ao meu primeiro R$ 1 milhão e um imóvel dos sonhos", calcula.

Não são apenas as incorporadoras, mas também as imobiliárias que estão de olho neste mercado. Nos classificados, avisam: "Para investidores". Segundo Fábio Rossi Filho, diretor da Itaplan, são imóveis com potencial de valorização. Pode ser, por exemplo, um apartamento na região de Pinheiros (zona oeste), próximo ao buraco da obra do metrô. O acidente, há pouco mais de um ano, derrubou o preço do metro quarado, mas quando as obras do metrô forem concluídas, não só haverá recuperação do preço como valorização, prevê Rossi. É o que acontece quando uma região vai ganhar um shopping center, uma avenida ou algum outro tipo de investimento do poder público.

Para Rossi, não há excesso de oferta. "Basta analisar dados como o crescimento populacional e o déficit habitacional do país. Em 1980 éramos 140 milhões, hoje somos 190 milhões. Naquela época apenas 25% dos brasileiros tinham poder de compra. Esse percentual dobrou de lá para cá. O financiamento pode ser integral a uma taxa de 0,65% ao mês", afirma Rossi.

Quem trabalha com gestão de recursos prefere os fundos de investimento imobiliário à compra de um apartamento ou escritório para aluguel. "O fundo garante rentabilidade um pouco maior, sem burocracias ou contrato de crédito de risco, mas com a mesma segurança", diz Julio Ortiz, diretor da Rio Bravo Wealth Management. Mauricio Visconti, diretor da Reit, especializada em investimentos imobiliários.

"O fundo é mais diversificado do que a compra de um único imóvel. Por exemplo, com R$ 10 mil é possível ter a participação em sete empreendimentos", completa.

Visconti é contra a compra de imóvel para investimento com dinheiro de financiamento. Se financiar vai pagar juros, e o apartamento que custava R$ 100 mil já não vai ter mais esse valor. Ele sugere que o investimento em imóvel não passe de 50% da carteira total. Da renda com aluguel, até 27,5% vão para o Imposto de Renda.

CONTRA A MARÉ
O publicitário Rino Ferrari, 78, fundador da agência Rino, ficou rico aos 30 anos, comprando e vendendo imóveis e vivendo de aluguéis. Hoje, no entanto, fazendeiro em São Carlos, no interior paulista, prefere o agronegócio. Na sua avaliação, o mercado está saturado. Por isso, acha que está na hora de vender (ele tem imóveis em Rio Claro, outra cidade do interior paulista). "Todo mundo foi na mesma direção e a rentabilidade já não é mais a mesma", diz.

Aos 17 anos Ferrari começou a se aventurar pelo mercado ao fazer bicos de corretor de imóveis nos fins de semana. Antes tinha passado por períodos de vacas magras. Morava com a família em um cortiço na Lapa (zona oeste de São Paulo), o que o levou a começara a trabalhar aos 11 anos como office-boy em uma pequena fábrica de gravatas.

No mercado imobiliário, identificou oportunidades onde ninguém as via. E fez as primeiras aquisições. No início da década de 60, porém, com as turbulências políticas, o publicitário se desfez de parte dos imóveis da capital e passou a investir no interior. "Eu era um ignorante político, tinha medo do que o comunismo poderia fazer com as minhas propriedades", afirma.

Ele lembra dos terrenos que tinha nas valorizadas regiões do Brooklin e da avenida Luiz Carlos Berrini, na zona sul paulistana, e que vendeu a preço de banana. Por isso, apesar do dinheiro que ganhou com imóveis, diz que esse é um negócio para profissionais, como empreendedores e incorporadoras.

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