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Fim do bico

Avanço da construção civil no Brasil dá novo status à profissão de pedreiro

AGNALDO BRITO
de são paulo

José Ferreira calçava apenas uma velha havaianas. Era azulejista de mão cheia, mas juízo tinha pouco. A sola desgastada da sandália era a única proteção para os pés cheios de calos naquele canteiro repleto de armadilhas.
Enquanto tomava uma dolorida vacina antitetânica, lembrava do pedaço de pau, do chinelo puído e do pé, tudo transpassado por um prego corroído pela ferrugem.
Histórias como a de Ferreira são cada vez mais improváveis num canteiro de obras, tampouco a antiga noção de que construção civil é fim de carreira, um bico a quem não tem outra opção.
Em menos de dez anos, a construção civil mudou de rumo. O número de obras cresceu, bem como os benefícios sociais e salariais. Uma pequena revolução na relação capital-trabalho que transformou o setor numa opção profissional viável.
A informalidade no setor ainda é grande, mas o número de trabalhadores formais mais que dobrou em oito anos: de 1,4 milhão para 3,1 milhões de trabalhadores.
O salário, sempre baixo, subiu e, hoje, um pedreiro, um carpinteiro ou um azulejista pode alcançar renda de R$ 4.000 por mês.
"Não troco minha vida de pedreiro por nada. Essa é a minha profissão. Tenho meu carrinho, minha casinha e estou educando meus filhos", diz Jair Severino, 41, paraibano de Junco do Seridó, cidade do semiárido nordestino.
Casinha, carrinho? Modo de falar... A casa de Severino, em Santo André (SP), tem 142 metros quadrados e o carro é um Voyage ano 2010 que ainda exala cheiro de novo.
A retomada da construção civil criou a longevidade no emprego, um fenômeno que só não é maior em razão de um hábito que parte da classe trabalhadora insiste em manter: o acordo para demissão no fim da obra para faturar seis meses de seguro-desemprego.
Não é o caso de João Natal Ambrósio da Silva, 42, natural de Surubim (PE). Há 11 anos na mesma empresa, Silva é um novo tipo de profissional dentro da construção.
"Termina aqui, vou para outra obra. Isso aqui não é bico. Esse negócio de pedir as contas para pegar seguro-desemprego não é certo não", diz Silva.
A falta de mão de obra deu novo status à profissão. Alimentação no canteiro virou exigência. Tem café da manhã com pãozinho e queijo e lanche da tarde com café, pão e fruta da estação.
A cesta básica de 18 quilos engordou para 36 quilos. O trabalhador ganhou seguro de vida e três pisos salariais, entre R$ 910,80 a R$ 1.328,80.
É o valor básico, mas o ritmo da construção acabou por criar um arranjo que incomoda muito o sindicato dos trabalhadores: as tarefas -equivalentes a metas-, que se cumpridas, são remuneradas. O salário pode dobrar e até triplicar com a tarefa.
"Gosto da tarefa. Hoje, ganho mais com ela e trabalho menos. Vivia no canteiro, de domingo a domingo. Hoje, trabalho de segunda a sexta e ganho mais", conta Francisco Barbosa Diogo, 34 anos.
Depois de conquistar oito aumentos reais sucessivos, o sindicato quer os ganhos da tarefa incorporados à renda do trabalhador. Dado o ritmo do setor, pode até conseguir.

Assista aos relatos de trabalhadores da construção civil
folha.com/no1019138

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