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Michael Spence

A ilusão cambial

Os emergentes torcem pela restauração de padrões sustentáveis de crescimento das economias avançadas

Se observarmos os padrões de comércio externo das duas maiores economias mundiais, dois fatos se destacam: o primeiro é que, embora os Estados Unidos mantenham deficit comerciais com quase todos os parceiros, entre os quais Canadá, México, Alemanha, França, Japão, Coreia do Sul e Taiwan, para não mencionar os países exportadores de petróleo, seu maior deficit ocorre no comércio com a China.

Se os dados de comércio fossem recalculados de forma a refletir os países de origem dos diversos componentes de valor adicionado, o quadro geral não mudaria, mas as magnitudes sim: o deficit norte-americano no comércio com Alemanha, Coreia do Sul, Taiwan e Japão cresceria, e o deficit com a China seria dramaticamente mais baixo.

O segundo fato é que Japão, Coreia do Sul e Taiwan -economias de renda relativamente alta- têm grande superavit no comércio com a China. O comércio entre a Alemanha e a China é equilibrado, e os alemães chegaram a registrar modesto superavit no período pós-crise.

Os Estados Unidos têm deficit comercial geral persistente, flutuando na faixa de 3% a 6% do PIB.

Mas embora o total reflita deficit no comércio bilateral com quase todos os parceiros, o Congresso norte-americano se sente obcecado com a China e parece convencido de que a causa primária do deficit está na manipulação, pelos chineses, da taxa de câmbio do yuan.

Um problema com essa visão é que ela não pode responder pelas diferenças severas entre os Estados Unidos, de um lado, e Japão, Alemanha e Coreia do Sul, do outro. Além disso, o valor real do yuan (ajustado pela inflação) está subindo rapidamente nos últimos meses, devido aos diferenciais na inflação e ao crescimento dos salários chineses. Isso causará mudanças bastante dramáticas, com o tempo, na estrutura da economia e nos padrões de comércio internacional da China.

Uma preocupação um pouco mais sensata poderia ser a de que a posição do dólar como moeda de reserva o leve a ser sobrevalorizado com relação a todas as demais moedas, não apenas ante o yuan. Isso poderia criar pressão adicional sobre a porção da economia norte-americana exposta ao comércio externo e assim ajudar a explicar por que esse segmento da economia não vem gerando ganhos líquidos de emprego há duas décadas. Mas, a fim de explicar o desempenho do país em comparação ao da Alemanha e do Japão, seria preciso argumentar que o euro e o iene estão subvalorizados, o que não faz sentido algum.

Na verdade, o emprego gerado pelo setor econômico exposto ao comércio externo surge em serviços no extremo mais elevado das distribuições de valor adicionado per capita, educação e renda. Como resultado, o crescimento e o emprego no setor exposto ao comércio externo seguiram caminhos divergentes, com crescimento pesado, mas estagnação no número de empregos. Na Alemanha, em contraste, o setor econômico exposto ao comércio externo é um grande criador de empregos. O mesmo vale para o Japão.

As características distintivas da economia americana por pelo menos uma década antes da crise iniciada em 2008 eram um nível de consumo insustentavelmente elevado, devido a um efeito patrimonial ilusório; falta de investimento (inclusive no setor público); e níveis de poupança inferiores aos do deficit de emprego. O consumo excessivo por parte dos domicílios e do governo alimentou a economia do país -e boa parte da economia mundial.

Enquanto a política econômica dos EUA continuar a ter como foco principal o deficit, a demanda doméstica, as taxas de câmbio e o recuo em termos de abertura comercial, as deficiências de investimento do país continuarão sem solução. Isso significa que os problemas de emprego e de distribuição de renda também ficarão sem solução.

A boa notícia é que, em nível profundo, os incentivos dos países avançados e em desenvolvimento estão alinhados. As economias emergentes apreciariam demais a restauração de padrões sustentáveis de crescimento nas economias avançadas e estão preparadas para cooperar quanto a isso. Mas concentrar as atenções nas taxas de câmbio desses países não é a maneira correta de fazê-lo.

MICHAEL SPENCE, premiado com o Nobel de Economia, é professor na escola Stern de administração de empresas (Universidade de Nova York), pesquisador visitante no Conselho de Relações Exteriores e pesquisador sênior na Hoover Institution (Universidade Stanford).

Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci

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