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John Gapper

O jogo da tecnologia

Os executivos da RIM, do BlackBerry, deveriam aprender lições com a quase extinção da Kodak

A última grande reunião entre a Eastman Kodak e investidores terminou com seus executivos tentando concluir a apresentação enquanto um acionista gritava: "Vocês não têm credibilidade alguma. Zero". De lá para cá, as coisas pioraram.

A companhia fundada em 1880 por George Eastman, por muito tempo integrante do grupo de 50 ações de primeira linha da Bolsa de Nova York, está próxima de uma concordata. Antonio Perez, seu presidente-executivo, vem lutando há

seis anos para resgatar a Kodak do declínio terminal de seus negócios com filme fotográfico analógico. E pode ter conduzido a empresa à liquidação.

A experiência da Kodak oferece uma lição às empresas que estejam enfrentando rápidas mudanças tecnológicas. Como cantava Kenny Rogers, "você precisa saber quando segurar suas cartas, mas precisa saber também quando deixar a mão".

Infelizmente, a maior parte das empresas de capital aberto é dirigida por pessoas que detestam abandonar uma parada e em lugar disso continuam recorrendo aos acionistas e credores em busca de novos cacifes.

A mais recente delas é a RIM (Research in Motion), do Canadá, fabricante do BlackBerry, que sofreu uma sucessão de revezes cuja consequência foi uma queda de 75% no valor de suas ações em 12 meses.

Os executivos adiaram para o fim deste ano a adoção de um novo sistema operacional, enquanto, nas palavras de Mike Abramsky, analista do Royal Bank of Canada, "Roma arde em chamas".

Poucos executivos importantes, quando debatem as opções disponíveis para uma empresa de tecnologia em declínio, dispõem-se a admitir derrota e a operar com mais modéstia. Em lugar disso, saem em busca de empresas a adquirir ou tentam recuperar o terreno perdido queimando os recursos de que dispõem. Ocasionalmente encontram sucesso, mas é mais frequente que não o façam, e desperdiçam muito dinheiro no caminho.

Os executivos que conseguem reverter a situação de companhias em crise, como Steve Jobs ao retornar à Apple no fim dos anos 1990, são uma inspiração. Na época, muita gente disse a ele que a Apple não tinha chance de recuperar sua posição competitiva com relação à Microsoft, e ele ignorou os conselhos.

Mas pouca gente conta com a visão e a capacidade de Jobs. Em geral, quando uma companhia tropeça, em um setor que está passando por mutação, a recuperação requer muita sorte e muito dinheiro. Se o caminho mais racional é uma reestruturação ou a venda, os dirigentes da empresa não deveriam ter vergonha de adotá-lo.

A RIM não enfrenta dificuldades tão graves quanto as da Kodak

-seu faturamento está crescendo, bem como o número de usuários de seus aparelhos fora dos EUA. E ela não enfrenta o abandono da tecnologia analógica, ao contrário do que aconteceu na Kodak.

Mas enfrenta sérios problemas nos EUA, onde sua fatia de um terço no mercado dos celulares inteligentes vem caindo diante do iPhone, da Apple, e dos celulares que usam a plataforma Google Android.

Os executivos da RIM deveriam aprender duas coisas com a quase extinção da Kodak: a primeira é que é difícil se recuperar quando você demorou demais a se mover. O primeiro esforço coordenado de reação da Kodak só veio em 2003, quando ela reduziu seus dividendos para investir US$ 3 bilhões no aumento das vendas de câmeras digitais. Isso funcionou, mas a margem de lucro obtida foi baixa demais.

A segunda é que em geral há alternativas. Caso a Kodak evite a concordata, venderá uma carteira de 1.100 patentes sobre sistemas de imagem -a companhia detém a primeira patente para uma câmera digital. Os ativos da RIM incluem patentes e sua rede, que pode ser separada da fabricação de celulares.

Uma determinação obstinada de reconquistar a liderança é admirável caso funcione, mas existem exemplos demais de tentativas caras e fracassadas de fazê-lo, no setor de tecnologia, e isso torna necessário moderar as ambições.

O apostador experiente sabe que a hora de deixar a mesa é antes que os demais jogadores saiam em sua perseguição.

JOHN GAPPER é editor-associado e colunista do "Financial Times", jornal em que este texto foi publicado originalmente. Excepcionalmente, hoje, a coluna de SILVIO MEIRA não é publicada.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Rodolfo Landim

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