Índice geral Mercado
Mercado
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Mario Mesquita

Travas para a redução da Selic

Uma solução seria taxar a poupança, em especial para poupadores que não seriam definidos como 'populares'

Depois de alguns anos, retorna o debate sobre os limites institucionais à redução da Selic, a taxa básica de juros decidida nas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária).

Tirando aqueles que consideram que a taxa básica de juros brasileira é elevada por inépcia e/ou má vontade das gerações de banqueiros centrais que passaram pelo Copom, há de fato um razoável consenso profissional sobre fatores estruturais que limitam as perspectivas de promover finalmente a convergência das taxas de juros nominais aqui praticadas aos padrões internacionais -atenho-me aqui às taxas de juros nominais porque as reais sempre podem convergir aos padrões internacionais, basta aceitar uma elevação ainda maior das expectativas de inflação.

Três fatores em especial chamam a atenção. A falta de autonomia formal do Banco Central, a meta para a inflação muito elevada e a existência de um regime de taxas de juros subsidiadas (efetivamente, uma política monetária paralela).

Os dois primeiros já foram abordados neste espaço anteriormente -logo, o texto vai focar a política monetária paralela.

Cerca de 36% de todo o crédito no país é feito com recursos direcionados, em geral a taxas subsidiadas, sendo que 21% pelo BNDES -fato que tem sido mencionado já há algum tempo, de forma pouco velada, nas atas do Copom.

Os empréstimos do BNDES são concedidos a partir de um "spread" sobre uma taxa básica especial, a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), atualmente em 6% ao ano.

Não é apenas isso: a TJLP, definida pelo Conselho Monetário Nacional, que é chefiado pelo ministro da Fazenda, não tem se movimentado em sintonia com a taxa básica de juros. De fato, a última elevação da TJLP ocorreu em 2003, e essa taxa não acompanhou os ciclos de elevação da Selic de 2004/5, 2008, nem de 2010/11.

Diante desse vento contrário, foi preciso reforçar a dosagem de Selic para compensar os efeitos do crédito subsidiado. Um sistema mais racional, e que, ao menos de imediato, manteria o subsídio para o investimento, seria indexar a TJLP à Selic. Com isso, não teríamos mais a política monetária titular sendo solapada pela política monetária paralela.

O contra-argumento é que, ao estimular o investimento, o crédito subsidiado contribuiria para ampliar a oferta e, assim, combater a inflação. Mas isso ignora prazos de maturação bem como características específicas dos empréstimos -o financiamento a fusões e aquisições, por exemplo, pode ter menor impacto sobre a oferta futura do que a construção de uma fábrica.

Em suma, investimento é demanda, muito antes de se tornar capacidade de oferta.

Outra trava, que já causou polêmica e pode voltar a fazê-lo, é o regime de remuneração da poupança. É sabido que, com o tratamento tributário favorável e o rendimento mínimo garantido, a poupança domina outros instrumentos de renda fixa quando a taxa básica de juros cai abaixo de patamares próximos aos atuais.

Com isso, poderia ocorrer uma fuga maciça de fundos de outras aplicações para a poupança, o que, dados os mecanismos de vinculação vigentes, drenaria recursos para o financiamento de consumo e produção em benefício do segmento habitacional. Obviamente, tal situação geraria distorções e problemas na alocação de recursos que devem ser evitados.

Uma solução seria introduzir a taxação da poupança, em especial para poupadores que não seriam facilmente classificáveis como "populares". Outra seria substituir o regime de remuneração vigente pela indexação à Selic, seguindo o percentual histórico entre as duas taxas.

Com isso, os investidores na poupança iriam auferir retornos maiores em períodos de elevação da taxa básica de juros, quando o BC quer desestimular o consumo, e menores em períodos de quedas da Selic, quando a política visa estimular os gastos.

As duas mudanças sugeridas aumentariam a potência da política monetária e, com isso, permitiriam ao BC controlar a inflação com variações mais moderadas das taxas de juros, o que beneficiaria a todos (mesmo a minoria que ainda se beneficia do crédito subsidiado).

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.