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Mario Mesquita

Nova poupança e política monetária

A nova regra da poupança terá implicações que se estenderão além do atual ciclo de política monetária

AO RESOLVER lidar com a questão da remuneração da poupança, o governo demonstrou coragem política.

O objetivo da mudança, segundo se infere de declarações das autoridades, é ampliar o espaço para a continuidade do processo de redução da taxa básica de juros, que ampara a campanha pela redução também das taxas de juros aos tomadores finais de recursos.

Com isso, e diante dos números fracos de atividade econômica, é bem provável que a taxa básica de juros atinja novos mínimos históricos. Mas a alteração da regra de remuneração da poupança terá implicações que se estenderão além do corrente ciclo de política monetária.

Isso porque, em linhas gerais, a mudança introduzida pelo governo tende a aumentar a potência da política monetária. Isso significa que desvios da taxa de política em relação ao seu nível neutro -a chamada taxa neutra de juros- terão efeitos maiores sobre a atividade econômica e a inflação do que tinham antes das mudanças.

Sob esse ponto de vista, o impacto da nova poupança será tanto maior quanto mais rápida for a migração de parcela majoritária do estoque de poupança para o novo regime. Se isso ocorrer ao longo de quatro a seis meses, o impacto inicial será mais intenso; se a transição durar um par de anos, o impacto inicial deve ser limitado.

Na mesma linha, os efeitos da mudança de remuneração da poupança tenderiam a ser maiores caso a regra valesse para todos os níveis de taxa básica de juros, e não apenas a partir de determinado patamar.

No caso específico das mudanças recém-anunciadas, variações da Selic serão transmitidas automaticamente (embora de forma menos que proporcional) à remuneração da poupança, influenciando o comportamento dos poupadores, que terão mais ou menos incentivos para adiar decisões de consumo.

Com vistas a preparar a economia para um novo ambiente de taxas de juros, outros entraves institucionais deveriam ser enfrentados: crédito subsidiado e meta para a inflação.

Cerca de um terço do total de crédito concedido no país refere-se a empréstimos direcionados, sendo que um quinto a empréstimos do BNDES. Esses últimos têm como taxa básica não a Selic, mas a TJLP (atualmente em 9% e 6% ao ano, respectivamente). Tal fonte de crédito subsidiado evidentemente também reduz a eficácia da política monetária.

No novo ambiente de taxas de juros, seria razoável proporcionar aos tomadores de recursos do BNDES isonomia com os clientes das cadernetas de poupança, ou seja, vincular a TJLP à Selic.

Não havendo ambiente político para a remoção imediata do subsídio embutido nos empréstimos do BNDES, esta poderia ocorrer de forma gradativa, desde que de início seja feita a vinculação entre a TJLP e a Selic, talvez à razão atual -ou seja, a TJLP seria fixa inicialmente em dois terços da Selic.

Com isso, a potência da política monetária teria incremento adicional, dado que uma parcela bem maior do crédito passaria a ser sensível à taxa básica. Nessas circunstâncias, o BC teria sucesso em promover a convergência da inflação para a trajetória de metas com variações menores da Selic.

Por último, mas não menos importante, seria aconselhável utilizar o período desinflacionário da economia mundial para finalmente começar a trazer a meta para a inflação a patamares internacionais. O padrão de taxas de juros nominais vigentes em uma economia inevitavelmente reflete o nível de inflação tolerado.

Uma economia com inflação alta dificilmente terá as mesmas taxas de juros do que outra que preze mais a estabilidade de preços.

Exemplos na região corroboram essa visão. Chile e México perseguem a mesma meta de inflação (3%) e têm, em ambos os casos, taxas de política bem inferiores à praticada no Brasil, 5% e 4,5% ao ano -não é verdade, portanto, que metas de inflação mais ambiciosas levem necessariamente a taxas de juros mais elevadas.

Nessa área, também o governo poderia avançar, ainda que gradativamente, no caminho da normalização das nossas instituições.

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen

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