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Mohamed El-Erian

Quem é culpado pela tragédia grega?

Os governos gregos, os credores, a Europa e o FMI sairão ilesos, enquanto a população pagará por anos

A Grécia está tomando o caminho seguido por outras economias emergentes devastadas por crises nos últimos 30 anos. De fato, há semelhanças entre esse um dia orgulhoso integrante da zona do euro e a Argentina antes de sua moratória de 2001.

Com uma implosão igualmente traumática -econômica, financeira, política e social-, devemos esperar debate acalorado sobre quem é o culpado por agravar o sofrimento imposto a milhões de gregos.

Há quatro suspeitos -todos envolvidos na espetacular expansão que precedeu aquilo que infelizmente virá a se provar uma contração ainda mais espetacular.

Muita gente se apressará a culpar os governos liderados pelos dois partidos que costumavam dominar a política do país, o Nova Democracia, à direita, e o Pasok, à esquerda.

Dispostos a bancar via empréstimos a construção da prosperidade do país, os dois acumularam imensas dívidas e levaram a uma dramática perda de competitividade e de potencial de crescimento.

Depois de aceitar empréstimos excessivos nos anos que se seguiram à adesão grega à zona do euro, em 2001, o Nova Democracia e o Pasok deixaram os cidadãos gregos na berlinda quando ajustes e reformas se tornaram necessários, com a crise financeira mundial de 2008.

Os credores privados não hesitaram em despejar dinheiro na Grécia, mas rejeitaram sua responsabilidade de solucionar os problemas, quando se tornou impossível manter o boom artificial da economia.

Os empréstimos excessivos foram tão grandes que em dado momento reduziram a disparidade de rendimento entre os títulos dos governos alemão e grego a uma diferença absurdamente pequena para dois países que se contrapõem de maneira tão forte em termos de gestão econômica e condições financeiras.

Quando se tornou extremamente claro que a carga da dívida grega havia atingido o patamar da insolvência, os credores optaram por postergar o momento da verdade.

Mas nem o governo grego nem os credores privados do país agiram no vácuo. Os dois receberam cobertura política do esforço de unificação da Europa -uma iniciativa histórica cujo objetivo era garantir o bem-estar do continente por meio de maior integração econômica e política, tendo por base regras confiáveis e instituições efetivas.

E, quanto aos dois quesitos -regras e instituições-, a zona do euro ficou bem aquém do necessário. Recorde que as grandes economias centrais da UE -Alemanha e França- estiveram entre as primeiras a violar as normas orçamentárias estabelecidas quando do lançamento do euro. E as instituições da Europa se provaram impotentes para fiscalizar o cumprimento de suas normas.

A Europa também não reagiu devidamente quando se tornou óbvio que a Grécia começava a oscilar. Os demais governos europeus não chegaram a uma avaliação convergente dos problemas do país.

Por fim, temos o FMI, a instituição encarregada de salvaguardar a estabilidade financeira mundial e fornecer assessoria confiável aos países. Parece que sucumbiu com facilidade excessiva a pressões políticas, tanto no ciclo de expansão quanto no de contração.

Credores, governo grego, Europa e FMI não podem evitar a realidade de que o colapso grego não teria ocorrido se não tivessem sido complacentes durante a expansão e cumprido de forma tão medíocre suas responsabilidades durante a contração. Colaboraram para criar uma sensação de falsa prosperidade, e, quando a virada inevitável chegou, atrapalharam-se. Agora, a esperança é que sejam responsabilizados pelos erros cometidos.

O mais provável é que escapem quase ilesos, especialmente se comparados às verdadeiras vítimas dessa tragédia -a população grega, cuja situação econômica se tornará muito pior, à medida que empregos e economias desaparecem.

E os gregos podem não estar sozinhos. Milhões de outras pessoas podem sofrer danos colaterais, dado o risco de que o contágio financeiro se espalhe a outros países.

Em um mundo mais justo, esses cidadãos vulneráveis teriam direito a confiscar os salários, os privilégios oficiais e as bonificações de que as quatro partes culpadas vêm desfrutando. No mundo real, a situação serve como importante lição para o futuro.

MOHAMMED EL-ERIAN é presidente-executivo e vice-presidente de investimento da Pimco. Este texto foi distibuído pelo Project Syndicate.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Gustavo Cerbasi

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