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Cifras e Letras

ENTREVISTA CARLOS AGUIAR DE MEDEIROS

É o momento do consumo público, diz economista

Coautor de obra desenvolvimentista critica atrofia dos gastos do governo

Baixo crescimento econômico do país é fruto de interrupções dos investimentos para ajuste fiscal, diz ele

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

O governo é o maior responsável pela desaceleração econômica, não a crise externa.

O projeto de desenvolvimento não deve ser interrompido para fazer ajuste fiscal a cada suspiro na turbulência internacional. É hora do consumo público.

A visão é do economista Carlos Aguiar de Medeiros, 59, professor da UFRJ. Doutor pela Unicamp, ele participa com outros dez autores de "Desenvolvimento Econômico e Crise", livro de ensaios em comemoração dos 80 anos da economista Maria da Conceição Tavares.

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Folha - O senhor compara o desenvolvimento nos anos 1970, destrinchado por Conceição Tavares, e o atual. O que mudou?
Carlos Aguiar de Medeiros - Naquela época, o sistema produtivo era centrado na indústria. Ela perdeu, relativamente, a centralidade como setor com capacidade de arrastar e definir o ciclo econômico. Houve uma atrofia nos investimentos públicos e uma política macroeconômica que levou a baixas taxas de crescimento.

Quais novos atores emergiram?
Os associados à exploração de recursos naturais e a áreas de fronteira. O agronegócio, os bancos e a construção civil estão fazendo uma base de acumulação de capital com uma força muito grande. Há uma contradição. Nos anos 1970, a acumulação de capital era puxada pelo setor industrial, numa trajetória de 'catch up' com países mais avançados. Havia concentração de renda muito elevada, com muita pobreza.

E agora?
Nos últimos seis anos, houve redução da concentração de renda e da pobreza. Ao mesmo tempo, há regressão dos setores mais avançados da indústria. Esse desencontro precisa ser rearticulado, com um padrão de desenvolvimento que possa dar conta das duas coisas.
Há gargalo na qualidade do serviço público e da infraestrutura de apoio, educação, saúde, transporte etc.
Temos o SUS na saúde, mas houve grande privatização, que pesa no orçamento familiar. Se a cada melhora na distribuição de renda a família tiver de pagar por coisas que não pagava, não haverá aumento mais geral da capacidade de consumo.

O governo tem esse projeto mais amplo a que se refere?
Levantou pontos. As prioridades são o problema. O investimento em infraestrutura, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), vai ser tocado mesmo ou interrompido ao primeiro suspiro da crise internacional para fazer ajuste fiscal?
Vejo com preocupação uma desaceleração no crescimento que está sendo induzida por uma contração dos gastos de governo. O país precisa de planejamento para valer para ter uma taxa de crescimento sustentável.

Qual sua visão do pacote anunciado nesta semana?
Veio em boa hora. Estratégia necessária ante o aprofundamento da crise europeia e à desaceleração interna decorrente da contração fiscal dos meses anteriores. Relançar o poder de compra do governo tem grande importância, sobretudo para a indústria de transformação.

O baixo crescimento é mais resultado da crise externa ou das medidas do governo?
O governo é o maior responsável pela desaceleração. O país não é puxado pelas exportações. Não vejo o mecanismo de transmissão da crise geral para reduzir drasticamente as perspectivas de crescimento.
É mais preocupação excessiva com eventual pressão inflacionária e aceitação da suposição de que para reduzir a taxa de juros é preciso apertar do ponto de vista fiscal.

O consumo não basta como motor da economia?
Desde 2005, há grande crescimento do consumo das famílias por bens, com endividamento. Esse ciclo dificilmente terá fôlego adicional.

As famílias estão engasgadas no crediário.
Claro. Agora é hora do consumo público, que depende de um conjunto de decisões de investimento de governo.
São decisões prévias de governo que geram uma capacidade produtiva e que depois tendem a melhorar e baratear os bens e, consequentemente, aumentar o poder aquisitivo das famílias. Não é o consumidor individual que vai gerar esse tipo de investimento. Não adianta melhorar um pouquinho a renda.

O governo está titubeando em enveredar por esse caminho?
O problema é quão esse caminho desenvolvimentista é interrompido a cada soluço. Há relativa interrupção desse caminho. Não que ele tenha sido desmontado, como nos anos 1990. Há uma inibição.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E CRISE
Luiz Carlos Delorme Prado (org.)
EDITORA Contraponto/Centro
Celso Furtado
QUANTO R$ 48 (283 págs.)

"O governo é o maior responsável pela desaceleração [econômica]"

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