Índice geral Mercado
Mercado
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

De pai para filho

Após ver a empresa herdada do pai falir com a crise de 2008, empresário retoma produção artesanal de tênis de corrida com a ajuda de rede social

RODOLFO LUCENA
COLUNISTA DA FOLHA

Quando abriu a porta da oficina, no fim da tarde de uma sexta-feira, em fevereiro de 2003, foi o horror. O pai estava estendido no chão, o rosto afundado, atingido por uma peça de maquinário.

O jovem gritou, juntou gente, logo chegou o resgate. Roberto Felício dos Reis Correa, o Robertinho, está vivo, mas ficou cego. Nunca mais pôde produzir os calçados de corrida que desenvolvera para atender seus próprios pés e que eram bem recebidos na pequena comunidade de ultramaratonistas.

Mas a Sprint Tênis, que funcionava num galpão nos fundos de sua casa, em Campinas, continuou. "Eu não sabia costurar, não sabia colar um tênis, nada. Tive de aprender sozinho", diz Roberto Filho, 35, que hoje fabrica cerca de 250 tênis por mês.

Na época, com o pai no hospital, os pedidos continuavam a aparecer, ainda que poucos. Ele não podia perder a clientela conquistada pelo pai com os próprios pés -foi depois de correr 202,5 km para vencer uma prova de 24 horas vestindo os tênis que produzia que Robertinho viu as vendas aumentarem.

Ferramenteiro de profissão, o corredor resolveu produzir seu calçado porque os de prateleira lhe machucavam os pés. Aprendeu a costurar, criou ferramentas e acabou chegando ao que considerava ideal: um tênis leve, confortável e bem ventilado. Amigos começaram a pedir, ele vendia o que fabricava, mesmo sem ter empresa, ao longo dos anos 1990.

Em 1997, deu um ar mais profissional ao produto, que ganhou a logomarca criada por um amigo. Empresa registrada, porém, só teve em 2001, ano em que o filho começou a trabalhar com ele.

O faturamento era pequeno, e as entradas, irregulares: "Às vezes, vendia R$ 9.000, às vezes R$ 4.000 por mês", lembra Roberto Filho. O importante, afirma, é que o produto ganhava confiança de corredores dedicados.

Então aconteceu o acidente, que deixou sequelas também na firma. Houve crise na família e, no início de 2004, o filho saiu para remontar a empresa em Paraguaçu (MG).

Desde então, a empresa vive em uma espécie de montanha-russa financeira. No início da etapa mineira, mal vendia 20 pares por mês. Em maio de 2008, festejou vendas de 268 pares. Em setembro veio a crise, as vendas despencaram, as contas explodiram e a Sprint faliu.

"Nosso crescimento foi baseado no endividamento", avalia Roberto Filho. Levaram nove meses para pagar os fornecedores. Com outra razão social, mas a mesma marca, voltaram ao ramerrão da produção caseira.

Tudo mudou no ano passado. Deprimido por questões financeiras e familiares, Roberto Filho foi buscar velhos amigos em uma rede social. Conversa vai, conversa vem, publica fotos com o tênis, oferece de presente para alguns corredores, entrega como prêmio em ultramaratonas.

"Nós sempre vivemos de propaganda boca a boca. Agora era o boca a boca digital. O que um postava mil ouviam", diz Roberto Filho, que voltou a correr e chegou a participar de ultramaratonas com clientes. "Fiz quase 85 km, mas fiquei arrebentado."

A empresa, que fechou 2011 com uma funcionária, contratada em dezembro depois do boom provocado pela propaganda eletrônica, hoje tem cinco e pretende contratar pelo menos mais um.

Os seis pares que produzia por dia em dezembro hoje são 12 e logo serão 15, espera Roberto Filho, que continua trabalhando na área de produção, enquanto sua mulher, Ana Paula, comanda as vendas -feitas apenas pelo site da empresa e entregues pelo correio.

"Dinheiro é como a corrida", filosofa Roberto Filho. "Se você treinar bem, uma hora você vai melhorar seu tempo. Se trabalhar bem, vai acabar conquistando resultado financeiro."

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.