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Análise

Brasileiro ainda está amarrado à cultura do juros elevados

A mudança cultural pode penosa, mas é preciso começar a agir rápido

SAMY DANA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil enfrenta atualmente um grave problema de ajuste de expectativas em relação aos juros.

Apesar dos frequentes esforços do governo para empurrar a taxa básica para baixo, muitos cidadãos e empresas, acostumados aos altos juros de décadas anteriores, ainda mantêm seus receios quanto a investir no setor real e preferem o resguardo e a segurança da poupança.

Na década de 1990, a taxa básica, descontada a inflação, ficava próxima a 45%.

A política de crédito com juros altos não só inibia investimentos mas também tornava qualquer tipo de financiamento proibitivo.

Para pessoas físicas, por exemplo, créditos eram ofertados com taxas de juros reais acima de 300%. Dessa forma, só os mais desesperados recorriam a essa modalidade.

Sob a ótica das empresas, ter dívida era também cruel pois os credores incorporavam "spreads" altos, não sendo incomum encontrar taxas acima de 70%. Empresas com dívida sinalizam ao mercado algum tipo de risco por imprudência financeira. Logo, a alavancagem, um dos instrumentos mais interessantes e úteis para um gestor, não existia na prática.

Para se tornar interessante, o investimento havia, portanto, de apresentar altas margens. Estas, somadas à ineficiência dos funcionários e à proteção oferecida ante o mercado externo, criaram uma anomalia de preços altos que perdura no país até hoje e compromete a qualidade dos produtos e serviços internamente.

Hoje, o empresário que deseja investir no Brasil deve se adequar aos novos parâmetros. Investimento não tem milagre: se a taxa básica é de 7,25% e oferece baixo risco pela credibilidade do governo em pagamentos, para o investidor ganhar mais, tem de aceitar risco.

Dependendo do Imposto de Renda e das alíquotas do setor, o retorno de um investimento pode permanecer abaixo da inflação, sendo desinteressante para o empresário. A poupança paga 5,8% ao ano, índice inferior ao do aumento de preços.

Parafraseando o ex-presidente Lula, é possível dizer que "nunca antes na história deste país" fez-se tão necessária a educação financeira.

Se, por um lado, o comodismo leva a juros e margens de lucro menores e não repõe a inflação, assumir riscos maiores pode levar a desagradáveis resultados ainda pouco conhecidos no país.

Por isso, o governo deve usar seus mecanismos públicos e instituições parcialmente públicas para regular o mercado -como o fez com a Caixa e com o Banco do Brasil para baixar o "spread"- ou abrir o mercado externo em busca da alta da competitividade das empresas.

Os preços nacionais ainda são bastante altos quando comparados aos de outros países, e seria uma inocência pensar que o americano e o chinês são mais eficientes e inteligentes que o brasileiro por fatores genéticos.

São as ineficiências em processos produtivos, os abusos em altas margens de lucro e a baixa competitividade do mercado que provocam custos tão altos no Brasil, capazes de subtrair o poder de compra do cidadão ao nível tão deteriorado que se encontra atualmente.

Além do desafio técnico da reforma tributária, é essencial eliminar a cultura da ineficiências. A mudança cultural pode ser mais longa e penosa do que se imagina, mas também se sabe que, quanto mais demorarmos para agir, piores serão as condições que encontraremos no futuro.

SAMY DANA é Ph.D. em Business, professor da FGV e coordenador do núcleo de cultura e criatividade GV Cult.

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