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Mario Mesquita

Mudanças na China?

Chineses ainda contam com flexibilidades de políticas econômicas; isso não deve ser subestimado

Em termos de dramaticidade (com, em certos casos, aspectos de tragicomédia também) a crise europeia domina a atenção dos mercados e da mídia. Ela se encontra longe de uma solução, e novos episódios de intenso nervosismo não podem ser descartados.
Mas, do ponto de vista da economia mundial, e em particular a brasileira, não se pode menosprezar o que ocorre na China. Nesse contexto de especial fragilidade das economias maduras, é importante observar e tentar se antecipar a possíveis mudanças de políticas econômicas na China.
Essas, até recentemente, estavam voltadas para conter o ritmo de expansão econômica, com ênfase em certos setores, notadamente o imobiliário, que apresentavam sinais mais nítidos de superaquecimento.
Cabe notar, inicialmente, que a política econômica chinesa é consideravelmente mais complexa do que a ocidental -até na versão tropicalizada praticada em nosso país.
Enquanto no Ocidente as políticas econômicas estão normalmente organizadas sob o princípio de um instrumento para cada objetivo, na China há um regime de instrumentos e objetivos sobrepostos.
As autoridades chinesas têm, em pronunciamentos recentes, manifestado intenção de adotar uma política de ajuste fino, que pode ser interpretada como neutra ou ligeiramente expansionista, após o viés restritivo adotado anteriormente.
Essa mudança de viés parece refletir, por um lado, a redução da inflação nos últimos meses (de 6,5% para 5,5% entre julho e outubro) bem como as evidências de desaceleração da atividade.
O ajuste fino das políticas econômicas chinesas envolve iniciativas nas áreas fiscal, monetária e setorial (imobiliária).
Em todos os casos, as iniciativas de política envolvem aspectos macro e microeconômicos.
No que se refere à política fiscal, há um conjunto de medidas de desoneração, focadas em pequenas e médias empresas (que foram atingidas de forma mais intensa pelo aperto monetário prévio) e no setor ferroviário (que enfrentou sérios problemas recentemente).
Há também, na tradição gradualista chinesa, projetos-piloto de liberalização do financiamento dos governos regionais e transição da tributação de pessoas jurídicas para o regime de valor adicionado.
Na política monetária e de crédito, não devem ocorrer elevações adicionais dos depósitos compulsórios ou das taxas de juros. Há sinais de que o Banco Central estaria injetando mais liquidez na economia em operações de mercado aberto.
Adicionalmente, o governo direciona o sistema bancário a revitalizar o crédito para pequenas e médias empresas e para a construção de habitações populares.
Mas o governo segue preocupado com a alta dos preços dos imóveis, que poderia exacerbar tensões sociais, e que seguirá sendo combatida por uma combinação de restrições quantitativas e (outro projeto-piloto) taxação da propriedade.
Os primeiros sinais de inflexão na atitude da política chinesa parecem estar surgindo no comportamento do crédito. O volume de novos empréstimos chegou a 587 bilhões de yuans em outubro, ante expectativas de mercado que iam de 256 bilhões a 550 bilhões de yuans.
Embora as evidências ainda sejam parcas, observadores da economia local notam nessa surpresa um sinal de que a atitude das autoridades estaria mudando, de apoiar segmentos específicos, como as pequenas e médias empresas, para uma atitude mais generalizada pró-expansão.
As autoridades da China, como de hábito, mantêm bastante cautela quanto à política cambial.
Caso a China resolva que deve mitigar os riscos de desaceleração mundial franqueando uma parcela maior do crescimento de sua demanda aos parceiros comerciais, por meio de apreciação mais rápida da moeda, então medidas de suporte do dispêndio doméstico, seja por via monetária, creditícia ou fiscal, seja pela combinação dessas medidas, devem ser adotadas.
Se há um país que ainda conta com flexibilidade de políticas econômicas é a China -isso não é panaceia, mas não deve ser subestimado. Uma retomada da atividade na China não compensa totalmente o que pode vir a ocorrer no G3, mas ajuda.

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Marion Strecker

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