São Paulo, sábado, 02 de abril de 2011

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CRÍTICA HISTÓRIA

Livro conta trajetória do "rei da vodca" na Rússia czarista

Saga da família Smirnov está entrelaçada a grandes episódios da história do país


ÚNICO GRANDE INTERESSE QUE OS CZARES TINHAM NA PRODUÇÃO DA BEBIDA ERA A ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS


LUIZ ANTONIO DEL TEDESCO
DE SÃO PAULO

Em 1831, em meio a uma epidemia de cólera que matou quase 250 mil pessoas na Rússia czarista, nascia o pequeno Piotr na aldeia de Kayurovo, a cerca de 250 km ao norte de Moscou.
Ele só veio a ter um sobrenome duas décadas depois, já que, como filho de servo, não precisaria de um. Muito provavelmente, Piotr iria seguir a "carreira" do pai nos trabalhos no campo e dificilmente deixaria um dia a sua vila natal.
Moscou, 1898.
Ao morrer, aos 67 anos, de parada cardíaca, Piotr Arsênievich Smirnov era o maior produtor de vodca da Rússia e fornecedor oficial do czar e da corte. Sua empresa valia US$ 265 milhões em valores atuais e sua fortuna pessoal estava avaliada em cerca de US$ 133 milhões.
Em tempos de crédito barato, pelo menos até o fim do ano passado, e da tão falada ascensão econômica das famílias no Brasil, parece bem atual o lançamento de "O Rei da Vodca", da jornalista americana Linda Himelstein.
Mas a exagerada analogia deve parar por aqui, pois muito pouco do que o "rei da vodca" alcançou em sua empreitada se deveu a políticas sociais ou de crédito.
Na verdade, como mostra a autora, aparentemente o único verdadeiro interesse que os czares tinham na produção da bebida era a arrecadação de impostos. E tinham razão: na época em que o ainda jovem Piotr Smirnov se lançou à fabricação de vodca, quase metade do orçamento do Império Russo vinha daí.

PESQUISA
Para fazer sua "narrativa histórica", como a autora classifica o trabalho recém-lançado no Brasil, Himelstein pesquisou durante quatro anos 500 documentos em arquivos russos e americanos, 250 artigos de jornais e 900 livros. Entrevistou uma dúzia de especialistas.
O que surge é um livro em que os prós e os contras estão na mesma seara: a contextualização histórica de eventos privados. Cada passo da saga da família Smirnov é relacionado aos inúmeros acontecimentos sociais e econômicos vividos por um país que passou por mudanças radicais no período em que a empresa se desenvolvia (incluído aí o que provavelmente foi o evento histórico mais importante do século 20, a Revolução Russa, em 1917).
Se isso traz muita e valiosa riqueza histórica ao trabalho de Himelstein, por vezes também emperra o desenrolar da sua narrativa.

MARKETING
Em sua obra, a jornalista relata algumas interessantes "estratégias empresariais" do produtor na busca de mais mercado para sua bebida, como oferecer doações a escolas de filhos de nobres para obter a simpatia destes (a tentativa foi recusada, já que Smirnov não pertencia à alta sociedade).
Mas a mais peculiar delas, verdadeira ou não, é relatada pelo escritor e pintor Nikolai Nikolaievich Zhukov no conto "Vodca Smirnov", que teve trechos incluídos no livro. Conta o escritor que um velho revelou-lhe, certa vez, na rua, uma das táticas de negócio de Smirnov.
O produtor vestia-se modestamente e ia a um mercado sombrio e fedorento de Moscou que era frequentado por mendigos e vagabundos, mas onde havia também homens recém-chegados do interior à procura de emprego.
Smirnov levava-os para casa, dava-lhes de comer e de beber e oferecia a cada um uma quantia para que eles fossem diariamente a bares e pedissem uma sopa e "uma vodca Smirnov".
"Tentarão persuadi-los a pedir outra bebida", teria dito Smirnov a eles, "mas vocês devem se queixar em voz alta, de modo a chamar a atenção de todos". Parece, assim, que o "jeitinho russo" também ajudou Smirnov (cuja grafia ocidental, assim como a do Rousseff, da atual presidente do Brasil, é com dois efes) a chegar aonde ele chegou.

O REI DA VODCA

AUTORA Linda Himelstein
EDITORA Zahar
QUANTO R$ 39 (353 págs.)


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