São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2010

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NIZAN GUANAES

Escrevendo pelos cotovelos


A predominância do escrito sobre o falado nos celulares revela como a eficiência do texto se impõe


UMA REVOLUÇÃO LITERÁRIA está em curso no mundo hoje graças a um improvável herói das letras: o telefone. Os telefones celulares já são mais acionados para escrever do que para falar. Quanto mais jovem, maior a compulsão para escrever. Quem convive com adolescentes equipados sabe do que estou escrevendo.
Pesquisa da Nielsen aqui nos Estados Unidos no primeiro semestre deste ano revelou que o adolescente norte-americano (13 a 17 anos) enviava e recebia, em média, 3.339 mensagens de texto, todo mês, de seus celulares -são mais de cem torpedos por dia, ou seis por hora que passava acordado.
O fenômeno é global. Do Brasil ao Paquistão, dos SMS aos "tweets", adolescentes transformam seus pensamentos em textos ridiculamente curtos, curtíssimos, o que praticamente os tornam publicitários (eu era tão impulsivo no meu Twitter que tive de me "twicidar").
Esses adolescentes podem estar abandonando em massa os grandes textos literários, mas estão produzindo em massa microtextos que podem muito bem ser o caminho da literatura vindoura. Será que o próximo Shakespeare, ou Machado de Assis ou Tolstói virá em "bullet phrases"?
De qualquer forma, a predominância do escrito sobre o falado em nossos celulares revela como a eficiência do texto se impõe. Agora, com um enorme aliado: a instantaneidade.
É um novo texto, rápido, fast food do pensamento, muito menos elaborado do que a literatura tradicional, mas por isso mesmo mais espontâneo e genuíno. E ultrafuncional.
Quem tem tempo para perder em papo furado e gentilezas de outras décadas? No torpedo, vamos direto ao ponto, descartamos introduções e despedidas desnecessárias. E não nos intrometemos na vida e nos ouvidos alheios fazendo disparar seus telefones.
Já virou indelicado deixar recado de voz no celular. É muito mais polido enviar um curto torpedo -que se lê instantaneamente- do que obrigar seu interlocutor a discar para a caixa postal, digitar a senha, ouvir a mensagem...
Há vantagens óbvias do texto sobre a conversa: objetividade, concisão e permanência. A mensagem é recebida mesmo quando o destinatário não pode atender a uma chamada oral. É uma revolução, mais uma, na forma como nos comunicamos. Vamos usar mais o cérebro e os dedos do que a boca para nos comunicarmos. Ter dedos finos será uma vantagem competitiva não mais restrita aos pianistas.
A tecnologia mais uma vez revela o que as pessoas realmente valorizam, não o que supomos que elas valorizem: e o que elas mais valorizam nos seus telefones é a capacidade de enviar textos e dados. O telefone é o "gadget" do momento. As vendas de smartphones podem superar as de notebooks e netbooks já neste ano nos Estados Unidos. Em pouco tempo, os celulares devem ser a principal fonte de conexão com a internet.
Isso impõe mudanças profundas na comunicação em massa. O tamanho da tela diminuiu, como aconteceu com os textos. A duração da atenção, também. Temos de ser cada vez mais rápidos, precisos, objetivos, quase miniaturizados. É a nanocomunicação. Direto ao ponto, como um torpedo.
Programas de saúde pública pelo mundo já descobriram que o envio de mensagens de texto curtas é uma das formas mais eficientes de orientação e de prevenção de doenças. Na África do Sul, uma operadora se aliou a ativistas sociais e pesquisadores para enviar 1 milhão de torpedos diários convocando as pessoas a ligarem para serviço de informações sobre Aids. Os resultados foram incríveis.
Na Tailândia, a eficiência de um tratamento contra a tuberculose aumentou dramaticamente com o envio diário de torpedos para os pacientes tomarem seus medicamentos na hora certa.
Da saúde pública à nova literatura, nossa paixão pela troca instantânea de textos revela como eram exagerados os rumores sobre a morte da palavra escrita. Ela nunca foi tão difundida. E útil.


NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.

AMANHÃ EM MERCADO: Mario Mesquita


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