São Paulo, sábado, 06 de novembro de 2010

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MINHA HISTÓRIA ALEX KIPMAN, 31

O beethoven do videogame

Em 2000, recebi um telefonema da Microsoft (...) Quando me convidaram para ir para lá, eu ri

RESUMO Autodidata e programador precoce de software, o brasileiro Alex Kipman viveu a adolescência tendo o computador como melhor amigo. Foi empresário, trabalhou para a Nasa e, na Microsoft, criou a tecnologia Kinect, que dispensa o controle nos videogames. Para ele, essa transformação na tecnologia é semelhante à que Beethoven promoveu na música clássica.

Carlos Cecconello/Folhapress
Kipman, o inventor do jogo controlado pelo próprio corpo

(...)Depoimento a
CAMILA FUSCO
DE SÃO PAULO

Comecei a ter contato com a tecnologia quando tinha cinco anos de idade, jogando Atari 2600, e desde cedo acreditei que o software, assim como os games, são as únicas formas de arte em que a barreira é a imaginação.
Nasci em Curitiba, mas morei em Brasília por causa da carreira do meu pai, diplomata. Cresci numa casa bastante criativa, onde a habilidade de aprender estava sempre ao meu alcance.
Eu tinha menos de dez anos quando comecei a fuçar no computador, um XT. Nessa época comecei a aprender Basic por conta própria. Minha adolescência dividiu-se também entre Roma e Miami. Nunca fui muito interessado pela escola, gostava mais de programação, videogame e música.
Sou eclético para sons, tenho 12 mil músicas no meu bolso, de Metallica a Black Eyed Peas e pop japonês.
Mas foi na música clássica que eu descobri semelhanças com a tecnologia.
Beethoven é o meu compositor favorito especialmente porque quebrou todas as regras. Diziam que não era possível ter criatividade na música clássica, mas ele mostrou que era possível não seguir um único padrão.
Essa busca pela novidade continuou na faculdade. Fiz engenharia de software com ênfase em inteligência artificial a partir de 1996, no Rochester Institute of Technology. Aos 19 decidi ter a minha própria companhia de serviços de tecnologia em San Francisco.
Era a época pontocom, que deu origem ao chamado "dinheiro bêbado", distribuído para todos os lados. Sempre fui sortudo, mas também queria um pouco desse dinheiro. O problema é que comecei a perder criatividade.
Decidi mudar o rumo e comecei a trabalhar com pesquisas para a Nasa na universidade. Fiz os algoritmos de imagem para que os cientistas pudessem ver pelos olhos do telescópio acoplado a um avião que tirava fotos do universo e procurava vida em outros planetas.
Nessa época, eu me dividia entre trabalhos e pesquisas em Nova York, Rochester e Boston. Aprendi a dormir só no avião, duas horas por noite -o que faço até hoje.
Em 2000, eu recebi um telefonema da Microsoft. Nunca tinha trabalhado com sistemas da empresa, usava software open source. Quando me convidaram para ir para lá, eu ri. Mas decidi conhecer a empresa.
Nessa época, prometi para a minha namorada Amanda, hoje minha mulher, que não aceitaria. Quando a Microsoft me ligou, nós tínhamos acabado de comprar uma casa em Manhattan.
Mas, ao chegar a Redmond, à sede da Microsoft, achei surpreendente. Falei com pessoas brilhantes e no fim do dia fui recebido por Bill Gates.
Eu, que não gostava necessariamente da Microsoft, sempre fui muito fã dele. Foi uma coisa rápida, ele perguntou por que eu queria trabalhar lá. Eu me embasbaquei, fiquei fascinado e, ao contrário do que imaginava, fechei o contrato.
Em 2001 eu me casei, comprei um cachorro e, em 25 de junho, cheguei à Microsoft. Minha carreira começou em .NET, foi um aprendizado único. Passei três anos fazendo isso e trabalhando 20 horas por dia.
Em 2003, eu e um colega fizemos uma nova apresentação para Bill Gates sobre o projeto, que durou nada menos do que seis horas. Também passei por Windows e fizemos várias coisas interessantes pelo sistema.
Mas o Windows Vista foi um sonho muito alto. Colocamos a vida nesse sonho, nos matamos para conseguir lançá-lo e o Vista ainda levou críticas. Isso me fez olhar para a vida de um jeito diferente.
O Kinect aconteceu aqui no Brasil, enquanto tirei um tempo da Microsoft, sem previsão de retorno. Era 2007 e fui então passar uma temporada no sítio de uma tia em Taquaral (PR).
É um lugar sem tecnologia nenhuma. Nem o celular pega. Nesse cenário eu tive um momento de "eureca": e se fizéssemos a tecnologia desaparecer? Passei a vida jogando videogame, em média 40 horas por semana, mas nunca tinha trabalhado com isso.
Depois de três semanas em Taquaral, voltei para Redmond, fui conversar com o time de Xbox -entre eles o próprio criador do videogame, Todd Holmdahl, que, antes de criar o game, inventou o mouse óptico em Stanford.
O Todd foi quem convenceu Bill Gates de que estava errada a estratégia da Microsoft de não entrar no negócio de videogame. Foi ele também quem conheceu meu projeto e acreditou que seria possível.
Criei o projeto naquele ano e seguindo a diretriz da empresa, de batizar o projeto com o nome de uma cidade, dei o nome de projeto Natal, um dos lugares que adoro no Brasil. Depois ele ganhou o nome de Kinect. Fazer o controle desaparecer no Kinect é uma forma de apagar a linha divisória entre os mundos digital e analógico.
Ver algo na tela e interagir apertando botões não é natural. Não é um designer de games que deve determinar como você interage.
O principal consumidor dessa tecnologia recém-lançada vai ser principalmente quem não gosta de games. Existem 6 bilhões de pessoas no mundo e quero que elas não somente possam mas queiram experimentar esse tipo de arte que eu amo.
Esse é o primeiro sistema de games feito para todo mundo. A tecnologia mudou.

GLOSSÁRIO

Basic Linguagem de programação para fins didáticos

Open source Software de código aberto, ou software livre

.NET Linguagem de programação da Microsoft

Kinect Acessório com sensores de movimento que dispensa o controle ao jogar

FOLHA.com
Veja demonstração do sistema Kinect
folha.com/mm826163


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